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TODOS OS DORAMAS BL JAPONESES (LISTA)

Lista de todos os doramas BL lançados no Japão, com suas respectivas datas de estreia. Os que tiverem entrevistas com os atores traduzidas a...

sábado, 28 de dezembro de 2024

MINHA CENA FAVORITA DE ASUNARO HAKUSHO ATÉ AGORA

Matsuoka é o personagem de camisa branca e blazer cinza (?) à direita

Pensei que estivesse enlouquecendo.

 

Comecei a assistir “Asunaro Hakusho” ontem, dia 27 de dezembro. Primeiro porque há anos já tenho interesse nessa história; segundo porque realmente não queria jogar mais uma vez para o próximo ano. Acontece que um personagem começou a dar sinais de ser, talvez, gay. Como eu vejo muitos BLs, pensei que estivesse imaginando coisas, vendo coisas onde não havia. Daí minha surpresa quando, chegando ao episódio 4, a homossexualidade dele se confirmou e foi revelado que ele é apaixonado pelo mocinho da trama...

Para quem não sabe, Asunaro Hakusho é um dorama, baseado em um mangá seinen homônimo, que foi exibido no último trimestre de 1993. É um dos grandes sucessos da década de 90 e sua popularidade ajudou a catapultar a carreira de Kimura Takuya, um dos maiores idols da História do Japão. O enredo retrata a vida universitária de 5 amigos, os protagonistas – Narumi Sonoda e Tamotsu Kakei – e mais 3 coadjuvantes – Toride (interpretado pelo Kimura), Higashiyama e Matsuoka. É este último o personagem LGBT+ do grupo.

Elegante, bonito (o ator me lembra o Hanyū Yuzuru), inteligente, ele é o rico dentre eles. É um típico bocchan (botchan), o equivalente masculino das ojou-sama dos mangás shoujo. Aliás, a Higashiyama inclusive diz que ele é o herdeiro do zaibatsu (conglomerado financeiro/industrial) da família Matsuoka. Disso vocês tiram que ele não é só classe média alta, mas muito rico MESMO.

Assim, personagens gays não são novidade em mangás. Já postei aqui sobre o desenvolvimento do BL. Minha surpresa foi um dorama tão popular ter colocado uma subtrama assim, imagino que por estar presente no quadrinho de origem. Vejam que geralmente o que tinha em doramas era alívio cômico, tanto com personagens gays espalhafatosos e afeminados quanto com okamas (homens que se vestem com roupas femininas, não necessariamente LGBTs). Mas a trama dele é séria, melancólica.

Enfim, no mesmo episódio no qual é revelado sua paixão, há um diálogo muito bom entre ele e a Higashiyama falando sobre isso. Esse tipo de cena apareceu aos montes nos BLs tailandeses, principalmente os da primeira geração saídos entre 2016 e 2020, porém não esqueçam que este dorama é do final de 93.

Eu vou colocar a transcrição que fiz aqui, mas tenham em mente que o original pode ter utilizado kanjis diferentes dos que usei em algumas partes, ou mesmo colocado coisas em hiragana. Embaixo escreverei minha tradução, porque a do Youtube (onde estou assistindo) está um tanto estranha nessa parte. Algumas partes dos diálogos que vi até agora nem foram traduzidas...

 

東山: 私と松岡はさあ... なるみの言ってた寂しい者同士ってやつだな。

 

松岡: どういう意味で?

 

東山: お互い掛居に片思い... ごめん、本当はこの間手紙見ちゃったんだ。良いじゃないか。

 

松岡: 掛居は男だ。

 

東山: 男が男好きになることだってあるだろう?松岡らしくないよ。もしそんなことで悩んでるんだったら私はナンセンスだと思うな。

 

松岡: 本当にそう思うか。

 

東山: うん!

 

松岡: 俺を軽蔑しないのか。

 

東山: する訳ないだろう?

 

松岡: そうか。

 

東山: 人を好きになる気持ちは誰にも止められないし、誰にもそれを非難する権利なんてないと思う。もちろん松岡自身にもね。この世で一番尊い感情だと思うな。

 

Higashiyama: Eu e você... somos o que a Narumi chamou de “seres solitários”, não é?

 

Matsuoka: O que você quer dizer com isso?

 

Higashiyama: Nós dois temos um amor não correspondido pelo Kakei... Desculpe, na verdade, eu acabei vendo sua carta naquele dia. Não é bom que você goste dele?

 

Matsuoka: O Kakei é um homem.

 

Higashiyama: Homens apaixonarem-se por homens é algo que acontece, não? Esse seu comportamento não parece com você. Se você está sofrendo por isso, eu acho um despropósito.

 

Matsuoka: Você realmente acha isso?

 

Higashiyama: Sim!

 

Matsuoka: Você não me desprezará?

 

Higashiyama: Não há motivo algum para isso, não é?

 

Matsuoka: É mesmo?

 

Higashiyama: Eu acho que apaixonar-se por alguém é algo que ninguém pode parar e ninguém tem o direito de criticar. Claro, nem você. Acho que é o sentimento mais valioso neste mundo.


É todo mundo tão bonito nessa novela...

domingo, 1 de dezembro de 2024

ENTREVISTA: AGITOGI AKUMI, AUTORA DE "MEU CASAMENTO FELIZ", FALA SOBRE SUA OBRA

Em julho de 2021, quando o volume 5 de “Meu Casamento Feliz” estava para ser lançado, o jornal Asahi, um dos mais importantes do Japão, fez uma entrevista com a autora das “light novels”, Agitogi Akumi. Eu a estava traduzindo quando tropecei na entrevista do Takahashi Makoto, então deixei aquela de lado para fazer esta. Como as duas não são muito grandes e nenhum dos sites são pesados, consegui terminar cada uma em um dia. Para quem quiser ler em japonês, o original está aqui. As imagens são todas de lá. Espero que gostem.

 


Entrevista com Agitogi Akumi, de “Meu Casamento Feliz” – Esta história de Cinderela ao estilo japonês, que ultrapassou os 3 milhões de volumes em circulação, deixa os corações das leitoras palpitando!

 

A obra literária “Meu Casamento Feliz” (KADOKAWA) cujos personagens são populares é uma história de Cinderela ao estilo japonês, tendo por palco os períodos Meiji e Taishō, em que Miyo, uma jovem criada sob os maltratos de sua madrasta e sua meia-irmã, vai em casamento para a casa de Kiyoka, um militar que possui forças sobrenaturais. A história ultrapassou 3 milhões de exemplares em circulação (N.T.: em setembro de 2023, o número estava entre 8 e 9 milhões, incluindo as vendas do mangá e digitais) e já foi transformado em mangá também (N.T.: na época, o animê ainda não havia sido anunciado). Antes do lançamento do quinto volume, o mais recente, do romance em 15 de julho, perguntamos à autora, Agitogi Akumi, sobre o processo de criação das obras e seu histórico como leitora.

Texto: Nezu Kanako

 

Agitogi Akumi:

Nascida em Nagano. Estreou em 2019 com “Meu Casamento Feliz” (KADOKAWA). Além da versão em mangá desta obra estar sendo serializada na revista GanGan Online (mangaká: Kōsaka Rito, design original de personagens: Tsukioka Tsukiho, volumes publicados pela Equare Enix), está planejada uma leitura dramática para este verão.

 

Resumo:

Saimori Miyo é uma jovem que, embora tenha nascido em uma linhagem familiar possuidora de habilidades especiais sobrenaturais, não herdou essas habilidades e recebe ordens de se tornar noiva de Kudō Kiyoka, um jovem belo que tem fama de ser frio e implacável. No começo, ela recebe um tratamento frio de Kiyoka, porém, ao viverem juntos e enfrentarem diversas dificuldades, os dois aos poucos criam laços emocionais.

 

Livros de fantasia histórica eram meus favoritos

 

– Esta é sua obra de estreia. Por volta de quando você teve por objetivo tornar-se uma escritora?

 

Eu não tinha pensado claramente até este momento em me tornar escritora, porém creio que comecei a achar que imaginar histórias era algo divertido por volta do período em que era estudante do Ensino Fundamental. Nas aulas de Língua Japonesa, quando eu imaginava histórias vendo os desenhos e fotos, ficava pensando como o ato de as escrever era interessante.

A vontade de escrever algo próprio apareceu depois que me tornei estudante do ginasial. A partir daquela época, escrevia em meus cadernos histórias de fantasia e mostrava para amigos com quem tinha boas relações. Eles diziam que era interessante ou que queriam saber a continuação e isso me deixava feliz.

 

– Quais livros você lia nessa época? Há algum autor cuja influência você recebeu?

 

Eu sempre gostei de leitura e quando estava nos anos finais do Ensino Fundamental lia com afinco obras que se passam em outros mundos com um toque de elementos chineses como “Relato dos Doze Reinos” (“Jūni Kokuki”, autora: Ono Fuyumi), “Narrativas da Terra das Nuvens Coloridas” (“Saiunkoku Monogatari”, autora: Yukino Sai), e “Registros de Guerra de Arslan” (“Arusurān Senki”, autor: Tanaka Yoshiki). Eu lia com bastante frequência obras de fantasia histórica. Nessas três histórias, os personagens estão escritos com suas próprias individualidades, há elementos épicos e, embora seja um mundo ficcional, parece que estou olhando para um pedaço de livro de História, o que eu achava interessante, então lia muito.

Quando estou lendo fantasia, não sinto vontade de ir para os mundos, porém sinto admiração por serem completamente diferentes do mundo em que estou e ao ler as coisas que os outros escrevem ficava empolgada pensando que tipo de personagem colocaria se fosse eu a criadora.

 

– Há alguma obra que a influenciou especificamente?

 

Quando escrevo “Meu Casamento Feliz”, acho que as influências diretas sobre mim são as obras “RDG – Red Data Girl” de Ogiwara Noriko e “O Dia a Dia Elegante no Apartamento dos Yōkais” (Yōkai Apāto no Yūga na Nichijō) de Kōzuki Hinowa, as quais li quando estava no ginasial. Eu me sinto atraída por histórias nas quais pessoas normais vão para a escola, vivem suas vidas normalmente, mas por trás dessa fachada elas na verdade tem uma habilidade um pouco misteriosa.

 

Pegar por si mesma a oportunidade de mudar

 

Ilustração: Tsukioka Tsukiho

– Por culpa da criação que teve, em que foi oprimida por sua madrasta e sua irmã mais nova, sendo tratada com empregada, a Miyo, protagonista desta obra, tem enraizado o hábito de julgar os outros pela aparência e a personalidade de alguém que se desculpa automaticamente quando os outros fazem qualquer tipo de alusão ao seu comportamento.

 

Olhando objetivamente para esta obra, penso fortemente que não importa o quão terrível seja o ambiente onde uma pessoa está, em alguma parte dele certamente haverá uma oportunidade para ela conseguir mudar. Se conseguirá materializar isso ou não depende dela, por isso acho importante que ela procure evitar ao máximo deixar tudo para os outros fazerem.

 

– Não devem ser poucas as leitoras que, vendo esta Miyo em forte estado de autonegação, identificam-se com a personagem. Você teria algum conselho ou mensagem para as pessoas que se autodepreciam ou acham que não têm valor?

 

Como é comum que eu própria, olhando meus manuscritos, pense que ninguém vai querer ler as coisas que escrevo (sorriso amargo), não conseguiria aconselhar muito bem, porém penso que a autoexpressão é algo importante.

No meu caso, quando começo a ter dúvidas, eu peço que alguém me ouça, ou transformo isso em obra e entrego para o mundo; quando estou me sentindo deprimida, acho que é bom começar a escrever em algo. Fazendo isso, consigo olhar para mim mesma de forma um pouco mais objetiva e pensar que talvez eu não seja tão ruim assim.

 

– Miyo e Kiyoka estão ambos em estado de “amor mútuo não-correspondido”, em que sentem afeição um pelo outro, mas não conseguem colocar em palavras ou ações. A partir disso, eles vão diminuindo sua distância e, após entenderem que esse sentimento é amor, começam a transmitir isso aos poucos para seu companheiro.

 

Tanto Miyo quanto Kiyoka são imaturos, ou melhor, eles estão em um estado mental no qual não conseguem chegar no ponto do “amor”. Eu pensei que, para que conseguisse levá-los até esse momento, devia fazê-los crescer enquanto seres-humanos dentro do desenvolvimento da história.

 


– Esse amor dos dois que não progride rápido o suficiente é doloroso, mas também faz o coração palpitar!

 

Por mais que você se apaixone por alguém, penso que você só conseguirá refletir sobre qual a melhor forma de se conectar com seu companheiro ou como cuidar dele quando você tiver crescido como ser humano. Por isso o relacionamento dos dois está naturalmente indo em um ritmo calmo.

Especialmente a Miyo. Como ela estava cheia de seus próprios problemas quando havia acabado de chegar à casa de Kiyoka, não havia espaço em seu coração para considerar o que seu parceiro estaria pensando. Então achei que, até seu sentimento por Kiyoka chegar ao “amor”, levaria algum tempo.

 

– A Miyo também tem crescido aos poucos, passando a conseguir expressar seus próprios pensamentos e agir em prol de alguém, porque aumentou seu contato com outras pessoas, não é?

 

Lá para o começo da história não há muito essa impressão, mas eu criei a Miyo como uma personagem obstinada, que diz as coisas de forma clara, uma mulher de essência forte. Na verdade, ela mesma não percebe, mas o fato de conseguir aos poucos ver por si mesma o que gostaria de ter dito em ocasiões passadas faz parte de seu crescimento atual.

 

– O que você considera importante no processo de crescimento das pessoas?

 

Relacionar-se com outras pessoas além de si mesmo. A Miyo, excetuando-se o período em que frequentou o Ensino Fundamental, não teve muito contado com pessoas do mundo externo e, estando cercada por pessoas que a menosprezavam continuamente, só conseguia pensar que não valia nada; por isso sentia como se o tempo estivesse parado ali. Então eu acho que existe isso de você vir a enxergar a si próprio através do estabelecimento de relações com outros.

O componente sobrenatural é o tempero do drama

– Você introduziu nesta obra a habilidade sobrenatural chamada “dom para ver demônios” em que os personagens conseguem ver demônios e espíritos. Qual o charme desse componente de fantasia?

 

Há opiniões de quem acredite que o componente sobrenatural não era necessário, mas eu acho que eles se tornam o tempero do drama. Um enredo que só tenha amor normalmente é interessante também, mas já não há muitas obras maravilhosas com histórias de amor que têm por palco os períodos Meiji e Taishō e não contêm elementos de fantasia como “Haikara-san ga Tōru”? Como eu li bastantes “light novels”, tinha o pensamento de que seria interessante se a história tivesse ação, poderes sobrenaturais e uma organização mais chamativa.

 

Versão em mangá de "Meu Casamento Feliz"

– Pessoas que gostam de fantasias, pessoas que gostam de histórias de amor... é uma obra na qual se pode entrar de diversos ângulos. E ela está se expandindo por diversos formatos, com quadrinização, leitura dramática etc.

 

O que eu escrevi está sendo transformado por diversas mãos em várias franquias de mídia. Através disso, eu verei lados diferentes da minha obra e a profundidade dela que não tinha percebido por mim mesma antes, não é?

 

– O casamento deles está sendo preparado para acontecer na primavera. Mas parece que ainda há questões a serem resolvidas e obstáculos a serem superados. Que tipo de episódios estão escritos no volume mais recente, o quinto?

 

No quinto volume, uma religião do sobrenatural que tem a Miyo por alvo vai se tornar ativa, então a sensação de urgência continuará. E a natureza da relação entre Miyo e Kiyoka vai mudar um pouco? Parece que vai mudar? Eu escrevi objetivando esse tipo de cena que faz o coração palpitar, então ficaria feliz se vocês aguardassem ansiosamente o desenvolvimento da história daqui em diante.

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

ENTREVISTA: TAKAHASHI MAKOTO FALA SOBRE SUA CARREIRA E SUA VIDA PESSOAL

É muito difícil encontrar entrevistas online com mangakás anteriores à geração da década de 1970 para traduzir. Tentei achar algo de Watanabe Masako, de Maki Miyako, de Mizuno Hideko, mas nada. Encontro no máximo notícias anunciando conversas com outras mangakás ou entrevistas publicadas em revistas ou livros impressos. Disso vocês tiram minha surpresa quando descobri que Takahashi Makoto tinha sido entrevistado, em 2020, por um site dedicado à cidade em que ele mora, Sakura, na província de Chiba. Estava traduzindo outra coisa, porém resolvi pausar e fazer esta.
Antes de iniciar o texto, só um aviso: o Takahashi responde uma das perguntas falando sobre "jojōga". "Jojōga", que eu traduzi como "ilustrações sentimentais" 
– mas também poderia ser "ilustrações (ou pinturas) líricas" –, é um conceito criado por Fukiya Kōji para representar um estilo de pintura em que a tristeza escondida dentro do pintor é expressada externamente. Vários artistas o adotaram, inclusive o próprio Takahashi, que o trouxe para o shoujo mangá, como vocês verão na entrevista. O texto original está aqui.
P.S.: a nota sobre os sorrisos arcaicos é do próprio texto japonês, eu só traduzi. Minhas notas estão em azul.

 


O desenhista de meninas Takahashi Makoto, que se mudou para Sakura há mais de meio século, fala de seu amor por cidades em harmonia com a natureza

 

Meninas adoráveis como princesas e ornamentos e paisagens desenhados elaboradamente. O artista Takahashi Makoto, que tem uma visão de mundo única e possui fãs dentro e fora do país, mudou-se para Sakura aos 29 anos e, desde então, continua morando nesta cidade. Atualmente atuando como Embaixador da Boa Vontade de Sakura, nós nos perguntamos o que ele acha deste lugar que se tornou sua segunda casa. Ouvimos suas histórias na Galeria de Arte Makoto, construída no jardim de sua casa/ateliê.

 

O impacto que sofreu lendo revistas para garotas e seu caminho até o desenho de meninas

 

Takahashi nasceu na cidade de Osaka. Estreando como desenhista de shoujo mangás para publicações de aluguel após se formar no colegial, ele, depois disso, passou a trabalhar em diversas áreas, fazendo as capas e desenhos internos de revistas como Nakayoshi e Margaret, criando o design de materiais de papelaria e roupas ocidentais, colaborando com marcas de roupa etc. Seu tema central são “meninas”. O motivo que o levou a dedicar completamente sua vida ao caminho dos desenhos de meninas parece estar nas experiências que teve em sua época de menino.

 

– Você gosta de desenhar desde a época em que era criança?

 

Sim, parece que desde quando eu era bebê sendo carregado por aí eu já fazia coisas parecidas com desenhos. Ser desenhista, ou arqueólogo ou astrônomo eram meus sonhos de criança.

 

– E o que impulsionou você a seguir pelo caminho de fazer desenhos?

 

Eu fui criado sendo um dentre três irmãos, então, tratando-se de livros, estava cercado de materiais para meninos. Em meio a isso, quando estava na biblioteca da escola no segundo ano do ginasial, eu vi uma revista para meninas chamada “Himawari” e fiquei impactado ao ver as ilustrações de Nakahara Jun’ichi e perceber que existia um mundo assim. Creio que havia meu encantamento de menino por meninas nisso, mas dali eu passei a ficar fixado nas “ilustrações sentimentais” de Takehisa Yumeji, Takabatake Kashō, dentre outros, assim como em romances para meninas como “Anne de Green Gables” e “Mulherzinhas” (N.T.: detesto essa tradução para Little Women, mas literalmente todos os títulos em português que achei na Amazon estão assim, então deixei igual).

Naquela época, a profissão de ilustrador não era algo socialmente aceito para um homem, porém, felizmente, eu recebi o apoio de meus pais e, em uma conexão fortuita com uma editora de Osaka, fiz minha estreia como mangaká de livros de aluguel. Depois disso, passei a receber trabalhos também relacionados a revistas para meninas e produtos para venda. Foi a época em que eu trouxe as características das “ilustrações sentimentais” para o shoujo mangá e empreguei todas as minhas forças em abrir novas possibilidades.

 

– Eu já ouvi a história de que foi você quem criou o estilo padrão de desenhar estrelas brilhantes nos olhos de shoujo mangá.

 

Parece que um crítico atribuiu a mim o aperfeiçoamento desse estilo. Os olhos de uma pessoa entusiasmada com algo brilham, não é? Eu queria expressar isso. Eu também amo o Teatro Takarazuka e os olhos das atrizes no palco brilham e são belos.

 

– Dos mangás você passou a dar mais ênfase ao seu trabalho como ilustrador de capas, desenhos internos nas revistas e produtos, mas mesmo assim continuou desenhando meninas. De que forma você encara esses desenhos de meninas?

 

Há elegância, gentileza, uma timidez que colore de vermelho as bochechas e uma sensação de asseio. Apesar disso, é uma presença imponente. São essas as meninas que eu continuo a desenhar. Como agora nós estamos na época de questionamento de gêneros, não há muitas ideias pré-fixadas, mas eu penso que a elegância é importante; não só para mulheres, mas para homens também. Gostaria que os outros sentissem com meus desenhos, ao menos um pouco, a elegância das pessoas que tem tendido a ser desdenhada atualmente, se comparado com o passado. Desenho pensando nisso.

 

Há desenhos seus nos ônibus comunitários que percorrem a cidade

A mudança para Sakura e a criação dos filhos

 


– Parece que você se mudou para Sakura em 1962, quando tinha 29 anos, né?

 

Até aquele momento eu estava morando em Bunkyō, Tóquio, porém um conhecido apresentou-me uma pessoa que constrói casas em Sakura, então me mudei aqui para Kamishizu. Quando cheguei à estação Shizu, a frescura do ar era completamente diferente de Tóquio e Osaka e me lembro de ter inspirado profundamente sem nem pensar. Naquela época, o caminho da estação até aqui era um matagal repleto de árvores e também não havia muitas residências. Eu gostei daquele ambiente em que a natureza era deixada por si mesma.

 

– Como você passava seu tempo em Sakura nesse período?

 

Como me dedicava de corpo e alma ao meu trabalho, no geral não tinha hobbies, mas na primavera costumava arrancar os brotos de “tara” (“aralia elata”) nos matagais e no outono capturava os gafanhotos nos arrozais; eu me curava do cansaço do trabalho dentro da natureza. Depois que me casei e tive um filho e uma filha, eu sempre ia caminhar ou pescar.

 

– Há alguma impressão que ficou dentro de você com a criação dos seus filhos?

 

Eu fui parte da Associação de Pais e Mestres quando minhas crianças estavam no jardim de infância, no fundamental e no ginasial, e participei do Conselho Cidadão para o Cultivo da Juventude do Distrito de Shizu desde quando ele foi fundado. Nós conversávamos bastante sobre como criar as crianças da região de maneira saudável e como tornar nossas próprias vidas melhores. Em anos recentes, tenho deixado essas atividades para a geração seguinte, mas mesmo agora ainda dou as caras no Conselho.

Ainda me lembro bem de quando cumprimentávamos as crianças na cerimônia de entrada no Ensino Fundamental. Nós colocávamos maçãs em sacos, levávamos para lá e, quando mostrávamos para elas em cima do palco, os pequenos que tinham perdido a concentração e não tinham se acalmado olhavam todos para mim e ouviam o que eu tinha a dizer. Depois de bater um papo do tipo “Onde se criam maçãs?”, “Em lugares frios!”, etc eu usava a abertura que minha esposa já tinha deixado secretamente para mim e com minhas mãos abria a mostrava as maçãs; elas ficavam muito felizes. Depois disso, eu passei a ser chamado de “tio das maçãs” toda vez que me encontrava com elas pela região.

 

– É um cumprimento divertido que mexe com o coração de uma criança, né? Como você gostaria que as crianças de Sakura de hoje fossem criadas?

 

Gostaria que fossem criadas para se tornarem-se adultos que conseguem pensar e agir por si mesmos. As crianças de hoje em dia têm conhecimento, mas pouca experiência prática. Mesmo que elas tenham a teoria de como pegar besouros-rinocerontes, só há como saber por experiência prática o quanto você precisa colocar de força ao chutar uma árvore para fazê-los cair sem machucar o pé. Como há poucas cidades que estão em harmonia com a natureza nesse nível, eu gostaria que revitalizassem esse ambiente para que elas acumulassem diversas experiências práticas.

As crianças se inspiram mais em seus pais do que nós imaginamos. Em vez de mandar que façam isso ou aquilo, mostre através de seus próprios exemplos. E se ela fizer algo bom, mesmo que seja pouca coisa, elogie-a. Não seria isso o mais importante na educação de uma criança?

 

Eu escapei da morte duas vezes

 

– Você abriu esta Galeria de Arte Makoto em 1989. Há alguma lembrança da época em que você a inaugurou?

 

Muitas fãs, do Japão e do estrangeiro, vieram visitá-la. Tanto pais e filhos quanto famílias com 4 gerações de fãs. Mães que sofriam porque a relação com suas filhas havia diminuído traziam-nas para ver a galeria e as jovens ficavam felizes quando percebiam que eram os desenhos das várias revistas e produtos que suas mães tinham. O fato de que, através de “Makoto”, o diálogo entre mães e filhas aumentou e os sorrisos também me deixa muito feliz enquanto artista.

Como eu sou diplomático e tenho a personalidade de alguém que conversa bastante, nas épocas em que ia para Tóquio falavam-me com frequência que um desenhista não deve falar pelos cotovelos. Mas o meu objetivo é criar desenhos em que as pessoas que veem participem e consigam se divertir. Por isso valorizo as conversas que tenho com o público.

 

- Como assim “participem e consigam se divertir”?

 

Por exemplo, na versão americana ou japonesa da adivinhação com flores, há apenas duas opções – gosta ou não gosta (N.T.: é o bem me quer, mal me quer em português) – mas em francês há cinco que vão de "gosta um pouco", "gosta passionalmente" até "não gosta nem um pouco" (N.T.: em francês é Il m'aime un peu, beaucoup, passionnément, à la folie, pas du tout – Ele me ama um pouco, muito, passionalmente, loucamente e nem um pouco). Ao passar essa informação, o público no geral brinca disso e se diverte enquanto olha as flores dentro dos desenhos.

Quando eu ouvi a notícia de que as abelhas dos Estados Unidos e do Canadá não têm retornado e estão diminuindo, coloquei abelhas voando em meus desenhos. Os adultos e crianças ficaram absorvidos tentando encontrá-las. Além disso, eu procuro desenhar telhados um pouco nas extremidades dos desenhos para que saibam, pelo formato, qual país as ilustrações representam.

 

O design do pôster da "Festa das Flores (da cidade) de Sakura" é feito por ele todos os anos

– Suas ilustrações contêm histórias, não é?

 

Quando vou desenhar uma princesa, imagino como se realmente tivesse recebido um pedido dela para fazer um retrato e desenho conversando. Se for uma princesa da época do rococó, pesquiso acuradamente as vestimentas e ornamentos do período e tento criar algo esplêndido a ponto de fazer inveja a Maria Antonieta.

Uma questão à qual me dediquei ao longo da minha vida foi o desenho de ilustrações em que as expressões das meninas mudassem conforme o humor de quem as vissem. Eu busco uma representação como as dos sorrisos arcaicos*, as quais, se a pessoa está feliz, elas alegram-se junto; se triste, elas parecem estar encorajando gentilmente.

 

* Expressões com sorrisos projetados nos lábios que podem ser vistas em esculturas da Grécia Antiga.

 

– De onde será que vem sua motivação para dedicar sua vida inteira aos desenhos?

 

Eu escapei da morte duas vezes. A primeira vez foi quando nasci em estado de morte aparente. A segunda vez foi durante o bombardeio de Osaka quando eu estava no Ensino Fundamental. Por algum motivo, foi o único dia em que nós não conseguimos entrar no prédio da vizinhança onde sempre nos refugiávamos quando o alarme antiaéreo soava. Como não havia o que fazer, eu e minha família fugimos para outro prédio. Na manhã seguinte, esse prédio em que não conseguíramos entrar tinha sido queimado por bombas incendiárias. Se tivéssemos entrado nele como sempre, não estaríamos mais com vida.

Na condição de criança, esse foi um acontecimento que mudou minha visão sobre a vida. Depois disso, passei a pensar que seguiria pelo caminho que escolhesse por todos os meios possíveis. O ilustrador Takahashi Makoto é alguém que foi criado em conjunto pelos editores que desde a minha estreia permitiram-me fazer as coisas de que gostasse e pelos fãs que me apoiaram.

É por ter esse sentimento de gratidão que eu não ligo para posições sociais ou dinheiro. Mesmo se fosse para passar todos os dias com um koppen pan e uma caixinha de leite, eu não me importaria. Eu posso continuar vividamente aqui em Sakura com as coisas de que realmente gosto. Para mim, essa é a maior felicidade.

 

Koppen pan é esse pão parecido com o de cachorro-quente comido no Japão com vários recheios

Takahashi Makoto

Nascido em 1934, em Osaka. Após estrear com mangás de aluguel, publicou entre outras obras a serialização colorida “Arashi wo Koete” na revista “Shoujo”. Depois disso, além de desenhar capas, frontispícios e ilustrações interiores de revistas, produziu diversas ilustrações de meninas para materiais de papelaria como cadernos de rascunho, estojos, dentre outros. De 1992 até o momento atual, tem feito regularmente exibições individuais de trabalhos novos, apresentando suas obras vigorosamente. Desde 2018, atua como “Embaixador da Boa Vontade de Sakura”.



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