sábado, 16 de dezembro de 2023

ARTIGO ESPECIAL: MOTO HAGIO E AYA KANNO CONVERSAM SOBRE MANGÁS HISTÓRICOS E PROTAGONISTAS MULHERES

Ano passado, o Comic Natalie promoveu um bate-papo muito especial entre Moto Hagio a Aya Kanno para comemorar o lançamento do primeiro volume do spin-off de Baraou no Souretsu, chamado Ouhi to Bara no Kishi. A conversa ficou bem grande, mas é fundamental ter a tradução dessas coisas em português para compreender melhor o universo do shoujo mangá. Por isso, resolvi traduzir. O link para o texto original em japonês está aqui. As imagens são todas de lá. A chamada inicial do texto fala sobre a amostra grátis do capítulo inicial do spin-off que o site colocou. Se quiserem tentar ler em japonês ou só apreciar as imagens dele, é só clicarem no link.

 

CONVERSA ESPECIAL: AYA KANNO E MOTO HAGIO

A diversão e a dificuldade ao desenhar obras históricas e protagonistas femininas

Baraou no Souretsu - a obra de Aya Kanno, que a fechou em janeiro deste ano (N. T.: 2022) após atravessar aproximadamente 9 anos de serialização. Atualmente, está sendo publicado na revista Gekkan Princess (editora: Akita Shoten) o mangá Baraou no Souretsu – Ouhi to Bara no Kishi, o qual joga luz sobre a vilã rainha Margaret, que também apareceu em Baraou no Souretsu.

O Comic Natalie, para comemorar o lançamento do primeiro volume deste spin-off, arranjou um bate-papo entre Kanno e aquela que influenciou sua obra: Moto Hagio. Foram conversadas coisas como o charme que Hagio sentiu em Baraou no Souretsu, os bastidores da obra de Kanno, a identificação mútua delas com a diversão e as dificuldades na hora de fazer obras históricas e mulheres protagonistas, dentre outros assuntos.  Além disso, ao final deste artigo especial, está publicada uma amostra grátis do primeiro capítulo de Baraou no Souretsu – Ouhi to Bara no Kishi, então gostaríamos que quem estiver interessado também o chequem.

Coleta de dados – texto: Kozue Aou

 

- Mais interessante do que Shakespeare!? A razão pela qual Moto Hagio fez um elogio empolgado assim é... -

 

- Parece que a Hagio-sensei leu a serialização de Baraou no Souretsu desde que o mangá começou.

Moto Hagio: É isso mesmo. Eu ficava absorvida na leitura porque ela é interessante.

 

Aya Kanno: Fiquei profundamente emocionada quando ouvi o rumor de que a Hagio-sensei estaria lendo minha obra. Quando o terceiro volume estava para sair, meu editor pediu que a sensei escrevesse um comentário para o mangá. Mas eu nunca imaginei que realmente faria isso!

 

Hagio: Eu escrevi “É mais interessante do que Shakespeare!”, não foi? (Fonte)


Kanno: Muito obrigada (risos). 

Hagio: Há uma boa razão para eu ter escrito isso. Como eu sempre gostei de obras históricas, lia várias delas. Porém não entendi patavinas da peça Ricardo III de Shakespeare. Isso mesmo tendo compreendido Rei Lear e Hamlet. Mas quando reli Ricardo III depois de Baraou no Souretsu, entendi muito bem.

 

Kanno: Eu também (não entendi no começo). Vi primeiro a peça Henrique VI produzida por Yukio Ninagawa. Embora seja sobre Henrique VI, a história começa a partir de Henrique V, então fiquei perdida. Eu desenhei com cuidado para que fossem lembrados os nomes dos personagens que aparecessem, sem esquecer dessa sensação que tive assistindo pela primeira vez.

 

Hagio: Acho que eu também vi as montagens dessa época. A que eu vi foi Henrique VI que Hitoshi Uyama produziu em 2009 no Novo Teatro Nacional de Tóquio, se não me engano. A que você viu produzida por Ninagawa tinha a Shinobu Otake nos papéis de Joana, a donzela, e Margaret?

 

Kanno: Essa mesma. A Shinobu Otake estava no papel de Margaret.

 

Hagio: Como, antes de ver a peça, eu já tinha assistido ao filme inglês Henrique V com Laurence Olivier, pensei “Ah, é a continuação daquele filme”. Mas mesmo assim fiquei bem confusa. Obras históricas são difíceis, não são? Porém, Baraou foi desenhada sendo muito bem pesquisada, né? Creio que os pontos principais estão muito bem colocados. Você é formada em História?

 

Kanno: Imagina! Eu sou apenas uma otaku de História.

 

Hagio: Os otakus são sempre quem ganham mais (risos).

 

Kanno: No começo, eu gostava de História do Japão. Passei a gostar de obras históricas por causa dos Shinsengumi.

 

Hagio: O mangá que você desenhou sobre eles, Hokusou Shinsengumi, é bem legal. Está cheio de homens bonitos.

 

Kanno: Não importa o que eu faça, os mangás acabam ficando assim (risos). Fiquei extremamente feliz quando soube, lendo em algum artigo, que a sensei gosta do Shinsengumi de Osamu Tezuka-sensei. Eu sendo alguém que também gosta deles. Também cresci lendo os mangás do Tezuka-sensei.

 

Hagio: Ah, é?

 

Kanno: Como em casa havia os mangás Hi no Tori e Mensagem para Adolf, leio desde pequena.

 

Hagio: É uma boa casa, né? Uma casa que tem mangás é uma boa casa (risos).

 

- Sobre qual é a graça de entender personagens históricas trabalhando a imaginação –

 

- Qual teria sido o motivo que fez a Kanno-sensei virar fã da Hagio-sensei lá no início?

 

Kanno: Meu primeiro encontro com uma obra dela foi Poe no Ichizoku. Li uma cópia que uma pessoa que trabalhava como tutora para minha família emprestou para meu irmão mais velho. O primeiro mangá dela que eu comprei foi Zankokuna Kami ga Shihai Suru. É uma obra que reli diversas vezes. Foi um dos que escolhi quando pensei em usar alguns mangás como guia antes de começar a desenhar Baraou. A personagem Joana D’arc recebeu influência da imagem de Greg que aparece como fantasma após ter morrido em Zankokuna Kami ga Shihai Suru. 

Hagio: Joana é uma personagem fascinante. Ela sussurra no ouvido de Ricardo o que não gostaria de ouvir. Ela mostra as profundezas da psiquê de Ricardo, né?

 

Kanno: Eu gostava muito dessa imagem enigmática e desagradável do espírito do Greg flutuando. Queria experimentar desenhar uma existência assim. Eu cresci sem ter muito contato com shoujo mangás. Após me tornar adulta, de repente parei para prestar atenção neles e comecei a ler vários e a sensei é realmente minha inspiração. Seu estilo cobre uma diversidade de tópicos e todos eles são interessantes. As histórias também me atraem, mas eu uso como inspiração a sua forma de construir os quadros e o seu desenho de cenários. Claro, antes disso eu me divirto enquanto uma de suas leitoras. Parece um sonho que alguém com uma existência tão superior assim tenha contribuído com uma ilustração em tributo para o meu fanbook.

 

- Foi impressionante o desenho que a Hagio-sensei fez com os vários personagens para o fanbook oficial de Baraou no Souretsu (fonte) – 

Hagio: Todos os personagens são muito interessantes. Pelos rostos deles, seus papéis na história ficam gravados na nossa cabeça. O rosto de Warwick parece o do Al Capone, né? Mas, como é de se esperar, a personagem Ricardo é a mais interessante. De qualquer forma, as relações entre pais e filhos de nenhum deles é boa (risos). Ricardo é uma pessoa tão odiada por sua mãe. Falando nisso, a Margaret. Em Baraou no Souretsu – Ouhi to Bara no Kishi, ela se torna a protagonista e nós entendemos qual era sua situação. Vindo da França, ela era azucrinada na época em que tinha acabado de entrar para a família real da Inglaterra. Porém, tendo personalidade forte, ela dá na cara da outra pessoa.

 

Kanno: Era uma cena que eu queria muito desenhar.

 

Hagio: Se você conhecer a jovem Margaret pelo spin-off e reler mais uma vez Baraou no Souretsu, entende-se muitas coisas.

 

Kanno: A posição de rainha é difícil, né? Fundamentalmente, não há muito espaço para manobra. E também há muitos casos em que não se está ligada diretamente ao fazer político. Quando a sensei desenhou Ouhi Margot, não foi difícil? Não é como se a Margot tivesse um objetivo definido.

 

Hagio: É verdade. Eu estava sempre elucubrando sobre a razão pela qual ocorreu o Massacre da Noite de São Bartolomeu e a deixa para começar Ouhi Margot foi achar que conseguiria entender se desenhasse esse mangá, mas não consegui entender muito os sentimentos da própria Margot. Eu costumo conversar com meus personagens enquanto escrevo. “Por que você está fazendo uma coisa dessas?” Por mais que perguntasse para a Margot, ela não me respondia muito (risos).

 

- Por mais que estejam escritas em documentos as ações de personagens históricas, não dá para saber o que eles estavam sentindo –

 

Kanno: Se pensar bem, às vezes consigo saber onde uma pessoa estava em determinado momento sem pesquisar. E, ao verificar, descubro que estava correta. Ao passar muito tempo com alguém, aos poucos você talvez consiga vir a entender o que ela faria em determinadas circunstâncias.

 

Hagio: Você atravessa o tempo e entra em sincronia com a pessoa, né?

 

Kanno: Qual foi a razão para ter traído? Qual foi a razão para sua morte? Há muitas coisas cuja verdade não se sabe bem. É aí que está a abertura para poder usar a imaginação livremente. Desenhar baseado em personagens reais enquanto expande a imaginação é onde está a diversão de se fazer obras históricas. Se você pensasse por si mesma do zero, talvez algum tipo de personagem não tivesse nascido. Enquanto está pesquisando fatos históricos, você adota um comportamento como se estivesse indo além das fronteiras de sua imaginação.

 

Hagio: É nessa falta de liberdade incomparável com o nosso pensamento que está a diversão das obras históricas. Há também muitas vezes em que se pensa “Por que você está fazendo uma coisa destas!?”

 

Kanno: No padrão típico do shoujo mangá, quando alguém vira rainha, nós temos o final feliz, mas a realidade não ocorre tão bem assim. Com Ouhi Margot também é esse o caso, não é? 

Hagio: Na vida real um rei tem muitas amantes. Bem, a Margot também fazia o que lhe dava na telha (risos).

 

Kanno: Mas esse aspecto de não ser feliz porque se virou rainha é interessante.

 

Hagio: É difícil ser rainha, não é?

 

Kanno: Não se sabe quando se pode ter o pescoço cortado etc. Eu acho que uma mulher definitivamente não deveria se tornar rainha!

 

Hagio: Sabe, quando eu terminei Ouhi Margot, cheguei à conclusão que eu realmente não consigo desenhar mulheres. Quando coloco uma mulher como protagonista, sempre acabo pensando se posso fazê-la tomar determinadas atitudes sendo mulher. Em caso de obras históricas, há especialmente o pano de fundo da época a ser considerado também. Esse é um outro ponto que não dá para contra-atacar.

 

Kanno: De fato, quando é uma personagem feminina, em obras históricas você acaba se preocupando especialmente com as limitações do que ela pode fazer. Mesmo querendo colocá-la se movendo à frente dos acontecimentos, é preciso fazê-la agir nas sombras.

 

Hagio: A Margot é uma mulher que amou muitos homens, mas mesmo assim não dá para dizer completamente que ela desfrutava de liberdade total. Não importa o que acontecesse, havia a posição fragilizada da qual ela não conseguia se livrar enquanto mulher. Mesmo gostando de outra pessoa, ela não conseguiu ir contra o casamento escolhido por seus pais.

 

Kanno: Era uma época em que, se nós não fizéssemos isso, não dava para viver né? Em obras históricas, é preciso que se pense o que você faria se fosse uma pessoa daquele período. O que achei interessante pesquisando foi o lado religioso. Nessa época, a forma de pensar dos cristãos, ou melhor, dos católicos estava na base de tudo. Se você não entende isso, não há como conseguir compreender todos os motivos. Mas se, ao contrário, você conseguir entender isso, então compreenderá tudo.

 

- O coração da rainha Margaret é lido no spin-off

 

- Desde quando você vinha planejando o spin-off Baraou no Souretsu – Ouhi to Bara no Kishi?

 

Kanno: Quando estava me aproximando do fim de Baraou, senti que os leitores também podiam querer ler mais um pouco desse mundo. Esta é uma obra que eu própria desenhei com muito gosto e creio que com ela consegui colocar coisas que não tinha podido apresentar nas obras que fiz até aqui. Além disso, como não tinha conseguido desenhar o interior emocional das personagens femininas, isso me incomodava, então pensei em fazer isso com um spin-off. Eu também tenho dificuldade em desenhar personagens femininas, e nas obras serializadas que fiz até aqui nunca tive nenhuma protagonista, mas achei que desenhando Ricardo que tem ambos os sexos, agora eu acho que conseguiria desenhar uma protagonista mulher.

 

Hagio: A Margaret é uma mulher forte, não é? Como seu marido, Henrique VI, não consegue fazer nada, ela precisou tomar a liderança da família real. Apesar de ser mulher, ela foi aos campos de batalha e guerreou. Mas seu filho Eduardo foi assassinado... Eu ficava pensando que foi uma vida bastante terrível. No primeiro volume de Baraou no Souretsu, ela tira seu relicário e diz “William”. Ele é o Suffolk que está desenhado neste spin-off, né? 

Kanno: Pelos fatos históricos, comparado com a Margaret, ele é alguém muito mais velho. Fiquei me martirizando se deveria transformá-lo em um tiozão bonitão. Mas é um personagem que passará por muitos acontecimentos daqui em diante, e eu fiquei incomodada com a diferença de idade em relação a ela, que era uma garota. Então eu acabei tornando-o mais jovem (risos).

 

Hagio: Eu experimentei pesquisar um pouco sobre a Margaret. No fim, ela voltou para a França, não é?

 

Kanno: Acho que, apesar de ter virado rainha da Inglaterra, ela talvez tivesse uma consciência muito forte de ser francesa. Ouhi to Bara no Kishi começa com uma cena em que a avó da Margaret aparece e lhe entrega um livro. A ideia é que esse livro foi escrito por Cristina de Pisano.

 

Hagio: Quem era ela?

 

Kanno: Pisano era uma espécie de protofeminista. Há um livro que ela escreveu em seus últimos anos de vida sobre Joana d’Arc e, como a avó de Margaret era fã de Joana d’Arc, pensei que não seria estranho se ela tivesse esse livro. Com este trabalho, achei que seria bom se eu conseguisse tocar também em uma temática feminista. 

Hagio: Ah, isso é bom. Não é simplesmente uma relíquia de família que foi entregue, mas também há um sentido no livro em si. Mas existiu uma mulher que escreveu sobre feminismo há tanto tempo assim...

 

Kanno: Eu li um livro escrito sobre Pisano e o conteúdo dos argumentos das correntes contrárias às feministas não mudou muito em relação ao tempo atual.

 

Hagio: É um problema de raízes profundas, né?

 

Kanno: Falando por mim, mesmo agora eu escuto bastante coisas como “Essa é uma obra do ponto de vista feminino” ou “Você conseguiu escrever essa fala porque é uma autora mulher” e fico pensando “Hã?”

 

Hagio: Entendo o que você quer dizer. Falando de outra forma, os homens que dizem esse tipo de coisa existem aos montes com esse sentimento de negligência. Você pensa “por que eles não prestam atenção nesses pontos?”

 

Kanno: Ah, é exatamente isso!

 

Hagio: Claro, não são apenas homens que falam dessa forma. Mas o fato de homens conseguirem não sentir incômodo mesmo deixando de notar essas coisas não viria justamente de eles estarem em uma posição superior socialmente? É muito forte dizer que mulheres percebem porque estão em uma posição fraca, mas se nós não mergulharmos nos mínimos detalhes e refletirmos sobre eles, não há como sobreviver. Creio ser por isso que nós conseguimos perceber os detalhes. Quando um homem que não consegue perceber essas coisas fala “É um ponto de vista feminino”, dá vontade de retrucar (risos).

 

Kanno: Por exemplo, sobre a fala de uma mãe já me disseram que consegui escrever aquilo por ser uma mulher que pode dar à luz crianças. Mas eu não tenho filhos nem sou casada. Se mesmo assim eu consigo desenhar uma mãe, certamente um homem também consegue. Eu normalmente converso com amigas próximas que têm crianças e desenho tentando imaginar o que elas sentem. Isso é algo que se você fizer uma observação séria, vai entender.

 

Hagio: Essa frase é boa! “Se fizer observação, vai entender”.

 

Kanno: Será que eles não estão ignorando o ato de observar? Há homens que dizem coisas como “As mulheres são seres misteriosos”, mas é justamente porque não têm nem vontade de observar como são as mulheres que eles acabam reduzindo a isso. Eu até que entendo os sentimentos dessas pessoas, de querer ficar livre, de gostar de seu trabalho e de possuir bastante desejo de ter sucesso na vida. Eu também sou mais do time dos que entendem os sentimentos da nobreza arrogante que aparece bastante em Baraou (risos). Por isso tenho a sensação de que, se estivesse nessa posição, também pensaria dessa forma.

 

Hagio: Muitos homens têm essa mentalidade forte de que eles precisam vencer neste mundo, não é?

 

Kanno: Acho que eu própria sou do tipo que tem um sentimento forte de querer vencer em algo. Por isso, também em um sentido social, talvez tenha sido fácil desenhar Ricardo que está entre dois sexos. Por outro lado, Henrique VI, em certo sentido, é o que eu penso “Isto é que é um homem”.

 

Hagio: Henrique VI é um personagem muitíssimo interessante. Ele é um cristão devoto e disse odiar guerrear. Embora todo mundo estivesse banhado em sangue e fazendo guerra, ele fugiu dizendo que queria virar um pastor de ovelhas (risos).

 

Kanno: Através de Henrique VI, perguntei-me se não conseguiria desenhar as dificuldades do lado masculino. Eu quero desenhar isso também no spin-off.

 

Hagio: Ah, estou ansiosa para ver. Nas obras desenhadas por homens, as dores deles não aparecem muito, não é?

 

Kanno: Há também muitos que odeiam o Henrique dizendo “É vergonhoso querer fugir de sua própria posição de rei”. Fico pensando se talvez não seja precisamente dentro dessas pessoas que exista um Henrique (risos).

 

- O pensamento de querer fortemente escrever os sentimentos das pessoas que viveram um período de agitação –

 

- Há algo que a Kanno-sensei mantenha em mente ao desenhar uma obra no terreno dos shoujo mangás?

 

Kanno: Acho que é mostrar que o objetivo dos shoujo mangás não é só colocar amores dando certo. Isso é algo que você sente mesmo lendo as obras da Hagio-sensei, mas eu própria, não apenas enquanto leitora, mas também enquanto alguém que desenha shoujo mangás, passei naturalmente a gostar desses outros tipos de história. Claro, eu não estou negando as histórias cujo objetivo seja mostrar amores dando certo.

 

Hagio: Não importa o que você escolha como tema para desenhar, o shoujo mangá precisa ser bonito.

 

Kanno: A indumentária de Ouhi Margot é ótima. Parece que eu estou realmente vendo os vestidos daquela época, mas a sensei desenhou de forma bastante fiel?

 

Hagio: Há coisas que usei como modelo, mas como as imagens ficariam muito poluídas visualmente, eu também fiz algumas simplificações. Como na época de Margot as pessoas enfatizavam o quanto eram ricas através de suas vestimentas, havia vestidos com 40 pérolas penduradas. Você não consegue fazer nada por causa do peso, né? Golas grandes também estavam na moda.

 

Kanno: Eu dei uma bela adaptada na indumentária.

 

Hagio: As roupas de Ricardo são bem legais.

 

Kanno: Como o design no começo estava muito ao estilo de shounen mangás de lutas, corrigi mantendo em mente que queria expressar as coisas através de um shoujo mangá. Eu pensei que em shoujo mangás, mesmo se você estiver no meio de uma batalha, deve-se desenhar as emoções de maneira forte. Talvez seja difícil desenhar as emoções ao tocar em vários assuntos se não for em shoujo mangá. Talvez essa seja uma parte que fica omitida em mangás shounen. Mas, claro, eu também quero que homens leiam. 

Hagio: Talvez seja assim mesmo. Foi lançado o primeiro volume de Baraou no Souretsu – Ouhi to Bara no Kishi. Eu estou ansiosa para saber que tipo de destino haverá e como você irá desenhá-los. Como no período da Guerra das Rosas havia caos – com o poder indo para cá e para lá –, acho que é uma tarefa realmente difícil, mas estarei esperando.

 

Kanno: Muito obrigada! Hum... queria só pedir uma coisa por último. A Hagio-sensei não teria nenhum plano de desenhar os Shinsengumi, não é? Penso que seria certamente muito bom se conseguisse ler uma história deles no seu traço.

 

Hagio: Oi!? É impossível (risos). Teria que estudar desde a forma de segurar as katanas...

 

Kanno: Acabei falando por conta da minha felicidade em conseguir encontrá-la. Claro, eu aguardo ansiosamente qualquer obra que a Hagio-sensei faça, não importa sobre o quê. Sou grata pela oportunidade que me deu de fazer esta conversa.

 

Hagio: Eu é que agradeço. Também me diverti.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

ENTREVISTA: ELENCO DE HIS ~ KOI SURU TSUMORI NANTE NAKATTA FALA SOBRE A SÉRIE E LGBTS

Em 2019, a Nagoya TV lançou um BL em cinco episódios chamado His ~ Koi Suru Tsumori Nante Nakatta. Não encontrei nenhuma informação sobre, então não sei se é baseado em mangá. Porém, como estou traduzindo material sobre BL, quis deixar algo sobre essa série aqui.

Procurando, só consegui encontrar uma única entrevista, publicada no site oficial (link aqui) com quatro questões (na verdade, são mais tópicos a serem comentados) para o elenco principal. E, a meu ver, as respostas ficaram bem repetitivas. Quis traduzir mais pela pergunta sobre ser um dorama com tema LGBT. Nessa parte, as respostas foram interessantes.

Para quem não sabe, em 2020 saiu um filme continuando a história do par protagonista, sobre o qual, aí sim, há várias matérias. Pretendo traduzir alguma coisa sobre o longa-metragem, mas confesso que assisti e não gostei. Então, por enquanto, deixarei só isso por aqui.

Falando sobre a série, vi algumas pessoas reclamando, mas eu pessoalmente gostei. É um dorama singelo, desses que se passam no interior ou, como é o caso aqui, no litoral. E há um erotismo sútil – vide a cena em que Nagisa vê os músculos das costas de Shun se movendo ou quando aquele sente o cheiro do perfume do shampoo deste enquanto ele dorme - que me conquistou.

Enfim, segue a tradução. As fotos também são todas do site oficial.

 

ENTREVISTA COM ELENCO DE HIS ~ KOI SURU TSUMORI NANTE NAKATTA 

Naoya Kusakawa (personagem: Shun Igawa)

- Após o fim das gravações

Estava ansioso porque é a primeira vez que gravo um dorama. Além disso, havia a pressão por ser parte do elenco principal, porém consegui conversar com os diretores Imaizumi e Nakazato sobre como iria interpretar Shun e creio ter conseguido fazer do jeito que eu gostaria. O local de gravação foi muito acolhedor, consegui me tornar amigo de todo o elenco e foi um lugar muito bom para se estar.

 

- Sobre estrelar a série junto com outra pessoa

Foi realmente bom que meu parceiro de cena fosse o Kura. Para falar a verdade, quando nós nos conhecemos, não conversamos nem um pouco um com o outro. Por algum motivo, ele confundiu meu sobrenome, Kusakawa, com Saka no Ue... (risos) Fiquei me perguntando se aquilo daria certo, mas agora nós ficamos muito amigos (risos). A ponto de chamarmos um ao outro para comer ou fazer compras. Foi realmente muito bom que ele se tornasse meu parceiro de cena.

 

- Sobre aparecer em um dorama de temática LGBT

Devido a se tratar de algo sobre o qual eu não tenho experiência, foi muito difícil. Como não é uma coisa que dê pra interpretar de forma leve, enfrentei as gravações estudando seriamente através de livros e filmes. Acho que consegui ter uma boa experiência.

 

- Mensagem para os telespectadores

Gostaria que o público visse a mudança nos sentimentos dos personagens, que são puros e às vezes dá parar chorar, às vezes, rir. Além disso, também vale à pena ver que rumo tomarão os amores da Chika e da Ako. Gostaria que as pessoas vissem, sem falta. 

Yuki Kura (personagem: Nagisa Hibino)

- Após o fim das gravações

Ao finalizar a última gravação, pensei “poxa, já acabou...” e me senti solitário.

 

- Sobre estrelar a série junto com outra pessoa

Como foi a primeira vez que me envolvi com uma obra enquanto protagonista, criei uma forte ligação emocional com ela. Os diretores Imaizumi e Nakazato são pessoas que se aproximam dos outros de forma muito calorosa e dei muito valor ao tempo que usamos para trocar opiniões e fazer consultas sobre o roteiro. Penso que conseguimos gravar em um ambiente muito abençoado.

 

- Sobre aparecer em um dorama de temática LGBT

O Nagisa é alguém que tem um passado que quer esconder, é sensível e mede bem quais palavras usa. Sinceramente, eu não sabia como interpretá-lo direito, mas achei que, se deixasse para a maquiagem, o figurino e o ambiente onde iríamos gravar, conseguiria fazê-lo. Através das gravações, senti profundamente que o sexo de alguém não importa quando nós nos apaixonamos.

 

- Mensagem para os telespectadores

Gostaria que não apenas fãs de BLs, mas um número grande de pessoas visse essa obra. Por favor, vejam sem falta. 

Sara Shida (personagem: Chika Kumakiri)

- Após o fim das gravações

A gravação acabou em um piscar de olhos. Desta vez, havia muitas pessoas da equipe com quem eu já havia trabalhado algumas vezes antes, então, desde o primeiro dia, consegui ficar tranquila e gravar me divertindo muito. Agora que as gravações acabaram, estou me sentindo solitária.

 

- Sobre aparecer em um dorama de temática LGBT

Como é um assunto com o qual não tenho experiência, foi algo difícil de entender. Estudei pesquisando através de filmes e livros. Aprendi que não posso supor ser a minha vivência algo universal. Acho que conseguir encontrar uma obra como essa me permitiu crescer como ser humano.

 

- Mensagem para os telespectadores

Como a obra ficou maravilhosa, ficaria feliz se muitas pessoas vissem o resultado. Peço a cooperação de vocês. 

Aino Kuribayashi (personagem: Ako Hirahara)

- Após o fim das gravações

Foi uma gravação que realmente terminou num piscar de olhos e me senti solitária após o seu fim.

 

- Sobre aparecer em um dorama de temática LGBT

Devido a haver pessoas LGBTs ao meu redor, embora não possa dizer que tenha entendimento sobre isso, não me senti desconfortável. Antes das gravações, eu fiquei o tempo todo vendo livros e filmes LGBTs. Eu gostaria que pessoas que sentem desaprovação em relação a LGBTs vissem esta obra. Creio que sua forma de pensar mudará.

 

- Mensagem para os telespectadores

Nós gravamos em Enoshima nos divertindo muito. Por favor, assistam divertindo-se também, pessoal.

ARTIGO ESPECIAL: MOTO HAGIO E AYA KANNO CONVERSAM SOBRE MANGÁS HISTÓRICOS E PROTAGONISTAS MULHERES

Ano passado, o Comic Natalie promoveu um bate-papo muito especial entre Moto Hagio a Aya Kanno para comemorar o lançamento do primeiro volum...