sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

ENTREVISTA: CHIHO SAITO (PARTE 1)

Em 2017, Chiho Saito deu uma entrevista para a revista Febri (original aqui), a qual foi colocada no site da publicação em 2021. Vire e mexe, procuro e encontro essas preciosidades, mas quase nunca traduzo. Como foi uma conversa muito interessante e estou tentando pegar firme e publicar mais esse tipo de coisa, segue aqui a tradução da primeira parte.

 

Entrevista com a mangaká Chiho Saito

Personagens lindos que se assemelham ao Takarakuza e tramas históricas dramáticas escritas em escala grandiosa. Europa medieval, Rússia do período moderno, Era Heian... Entrevistamos uma mestra em obras históricas longas que desenha esses vários períodos e países com sua habilidade para desenhos irresistível. Por que esse entusiasmo com obras históricas e o que ela pensa neste momento em que sua carreira como desenhista atinge os 35 anos?

 

Parte 1

 

- No Ensino Fundamental, brincava com minha amiga fingindo produzir uma revista de mangás –

 

- Quando era criança, que tipo de desenho você fazia?

Saito: Na época do jardim de infância, o que desenhava principalmente eram muitos robôs, como Tetsujin 28-go. Creio que naquela época eu me divertia mais desenhando linhas fortes do que traços fofos de seres vivos. Como minha irmã mais velha também era boa com desenhos, ao entrar no ensino fundamental, ela, eu e mais uma amiga criamos uma revista de mangá e brincávamos com isso. Cada uma desenhava a história que quisesse e nós juntávamos tudo com um grampeador. Escrevíamos inclusive chamadas para instigar a compra como “Uma nova serialização após a outra!” (risos) e colocávamos propagandas feitas à mão na contracapa.

 

- Que tipo de mangá você serializava nessa época?

Saito: Eu escrevi um mangá de vôlei porque recebi influência de obras que estavam no pico de popularidade, as quais mostram pessoas com espírito combatente, como Attack N. 1 e Sign wa V!. Algo como “Vamos juntas para as Olimpíadas de Teerã!”. Pensando agora, é um mistério o porquê era em Teerã (risos).

 

- Até quando vocês continuaram fazendo essa antologia?

Saito: No período do ensino fundamental 1, nós continuamos; porém, após entrar no ensino fundamental 2, o grupo separou-se. Eu mesma, depois disso, também fiquei um tempo afastada dos mangás.

 

- E que tipo de coisa você fez nessa época?

Saito: Assim que entrei na escola, virei membro do clube de tênis; porém, como havia muitas pessoas lá, não me deixavam acertar a bola, então eu me irritei e saí (risos). Depois disso entrei num grupo de pesquisa de mangá, mas no geral nós não líamos nada e só ficávamos vendo filmes e escutando músicas. Entretanto, uma vez uma amiga disse-me “Chiho-chan, você é boa com desenhos, não é? Desenhe isto” e me passou A Rosa de Versalhes. Ela ficou muito feliz quando eu entreguei uma cópia exata. Essa história espalhou-se e várias pessoas passaram a vir pedir para eu desenhar mangás para elas. Minha rotina diária dessa época era fazer cópias exatas de mangás como Sora ga Suki! da Takemiya Keiko e Poe no Ichizoku da Hagio Moto. Eu me sentia bem porque todos elogiavam minhas habilidades com desenhos (risos) e, antes que eu percebesse, passei a pensar que iria me tornar mangaká.

 

- E então você passou a desenhar mangás novamente.

Saito: Isso. No ensino médio, eu entrei em um grupo de pesquisa de mangá e nós também conseguimos, durante as férias de verão, permissão para todos os membros do grupo fazerem uma excursão escolar no departamento editorial da Betsu Comi. Só que, como eu fui lá com uma mentalidade Maria-vai-com-as-outras de querer ver os manuscritos da Takemiya e da Hagio, minhas próprias obras pareceriam estar sobrando nesse ambiente. Acho que foi por volta dos meus 20 anos que eu comecei a submeter genuinamente meus manuscritos e ganhei um editor.

 

- Qual foi a sequência de eventos disso até sua estréia?

Saito: Quando me mudei da Betsucomi para a Shoujo Comic (atualmente: Sho-Comi), seguindo meu editor que fora transferido, disseram-me que poderia desenhar o que quisesse e, como Os Três Mosqueteiros estavam na moda, desenhei Ken to Mademoiselle e essa virou minha obra de estréia. Ainda por cima, falaram-me que havia garantido um bloco de serialização de 4 semanas na revista, começando a partir do próximo número. Sem nem mesmo entender por quê, de repente fiquei ocupada.

 

- Conseguiu de uma sentada só a sua serialização de estréia, né? Foi bem tranquilo para você, não?

Saito: Porém essa serialização foi um grande fracasso (risos). Até aquele momento, eu só havia desenhado obras ocidentais, mas, na Shoujo Comic daquela época, os trabalhos que saíam eram principalmente sobre temas escolares que tinham por cenário o Japão atual e não se podia evitar isso. Eu me desafiei e tentei fazer algo diferente, mas como era de se esperar a popularidade do trabalho não veio... Nessa época fiquei bem para baixo.

 

- Eu, fundamentalmente, gosto de pessoas que fazem coisas ruins (risos) -

 

- Essa obra foi Tonderu Mitai, né? Ela não recebeu nem mesmo encadernação?

Saito: Não recebeu. Ou melhor, eu não quero que encadernem (risos). Sou muito grata porque mesmo depois disso me permitiram desenhar com constância mangás one-shot, mas até o fim eu não me acostumei com obras escolares e deixei esse tema parado por anos.

 

- De fato, parece-me que nesse período você desenhou um número enorme de mangás curtos.

Saito: Foi difícil porque eu tinha de quase que toda semana criar os personagens, cenários e enredo das histórias do zero. Em meio a isso, senti que finalmente havia tido um pouco de reação do público quando desenhei a obra Wedding to Yuu sobre duas pessoas apaixonadas recém-casadas. Havia o fato de eu já ser casada e meu editor recomendou que tentasse desenhar. Na minha cabeça eu fiquei reclamando que a vida de recém-casados não era tão doce assim, porém, talvez por histórias desse tipo serem raras, o mangá teve um pouquinho de sucesso. Quanto a obras românticas, mesmo que goste de vê-las, por exemplo, em filmes, hesitava em desenhá-las porque tinha muita vergonha, mas acabei me convencendo afirmando para mim mesma que não havia outra escolha (risos). Depois que me decidi a lutar nesse caminho embaraçoso, passei a desenhar assertivamente esses amores românticos.

 

- Você teve uma dificuldade dessas, né? Qual foi a obra que mudou sua opinião e fez você achar que conseguiria continuar devido à boa reação do público?

Saito: Acho que foi na época de Waltz wa Shiroi Dress de e Mou Hitori no Marionette. Especialmente Mou Hitori no Marionette foi uma mangá memorável, sendo que, como meu editor era alguém que conseguia por si mesmo escrever roteiros, nós ficávamos os dois através de tentativa e erro criando histórias que de alguma forma atraíssem as pessoas. Como surpreender as leitoras era nossa prioridade máxima, nós repetíamos um padrão de jogar nas obras um cenário absurdo e pensar na continuação na semana seguinte (risos).

 

- Então o Jin Masayuki ter dupla personalidade também...?

Saito: Foi algo decidido depois. Eu estava sempre quebrando a cabeça sobre como encaixar as partes da história enquanto adicionava cenários novos. Foi uma obra que me fez usar ao máximo minhas habilidades, mas, estranhamente, tenho a sensação que as peças juntaram-se com barulho e colocaram-se nos lugares apropriados, então as coisas deram certo (risos).

 

- Quanto à outra, Waltz wa Shiroi Dress de, ela foi sua primeira obra histórica, não é?

Saito: Isso. Como o palco principal é o Japão da década de 30, é uma obra histórica um pouco diferente da Europa medieval que eu sempre quis desenhar. Criei Waltz porque queria desenhar os militares daquela época.

 

- Isso quer dizer que a obra histórica que você realmente desejava fazer era Kakan no Madonna, cuja premissa tem por cenário o Ocidente da Idade Média e Idade Moderna?

Saito: Essa história me fez sentir que havia realizado meu verdadeiro desejo. Eu gosto demais de cavalos e capas, então pedi que eles me deixassem desenhar de alguma forma homens de capa montados em cavalos (risos). Como eu fora muitas vezes à Itália para fazer turismo relacionado às obras de arte, os cenários também foram fáceis de desenhar.

 

- Por que você pensou em desenhar Cesare, um personagem histórico?

Saito: Porque eu gostava do livro escrito por Shiono Nanami sobre ele (Cesar Borgia Aruiwa Yûganaru Reikoku). Eu, fundamentalmente, gosto de pessoas que fazem coisas ruins (risos). Além disso, gosto de pessoas que não são apenas vilões, mas têm um ar de carisma malvado e que, caso necessário, não medem os meios dos quais dispõem para atingir seus objetivos.

 

- Você sempre foi do tipo que aprecia homens ruins? (Risos)

Saito: É por aí. Desde o jardim de infância, eu via os Taiga Dorama e gostava muito de desenvolvimentos do tipo em que um garoto é maltratado pelos irmãos e pais, mas usa isso como encorajamento para crescer e contra-atacar! No Teatro Takarazuka também, eu gostava mais dos papéis masculinos, pois eram fortes e robustos, e certamente isso está na origem da minha fascinação por esse estilo de homem.

 

- A partir de Shoujo Kakumei Utena, eu tornei os meus desenhos mais sexys e sensuais –

 

- Isso deve estar relacionado ao fato de você desenhar personagens masculinos tão charmosos. Após esse, nós agora trataremos de Shoujo Kakumei Utena, que também é famoso como animê.

Saito: Originalmente, o plano era criar uma obra voltada para meninas que transformasse o mundo dos meus mangás em animê, mas, enquanto criávamos, ela foi ficando cada vez mais densa e no fim transformou-se em algo bem diferente do meu estilo (risos). Por isso digo que até é meu filho, mas é uma existência mais parecida com a de um enteado.

 

- Qual foi a sensação durante o período de produção?

Saito: Foi muito divertido. Enquanto membro da equipe, eu estava em um espírito de disposição para desenhar qualquer coisa, além do que dormimos juntos para costurar o roteiro e essa criação em grupo era um estilo novo para mim. Acima de tudo, como o diretor Ikuhara Kunihiko assumiu toda a responsabilidade pela obra, de qualquer forma eu fiquei despreocupada (risos).

 

- Houve alguma influência positiva da equipe de animação?

Saito: Houve muitas, mas fiquei especialmente surpresa com o quanto demorava para fazer o design dos personagens. Seios, nádegas, pernas... a fixação com partes das mulheres era tremenda (risos). No começo eu resisti à ideia de colocar tanta ênfase nos seios, mas aos poucos passei a tomar consciência do ponto de vista masculino. As figuras de shoujo mangá que eu havia acumulado até então foram um pouco quebradas. Acho que, após Shoujo Kakumei Utena, eu tornei os desenhos das minhas heroínas um pouco mais sexys e sensuais.

 

- Que tipo de reação você teve em relação à obra pronta?

Saito: Surpreendi-me porque, mesmo usando minhas ideias, personagens e minha visão de mundo, só pela forma de fazer a comida ser outra, a obra acabou tornando-se tão diferente assim. Ao mesmo tempo, a começar pelo diretor Ikuhara, toda a equipe fez uma análise completa de meu trabalho e tenho a impressão que eles me ensinaram características e peculiaridades que nem eu mesma havia percebido. Porque não há ninguém além do meu editor com quem eu converse tão profundamente assim sobre a minha obra.

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