Em 2017, SaitoChiho deu uma
entrevista para a revista Febri (original aqui), a qual foi colocada no site da
publicação em 2021. Vire e mexe, procuro e encontro essas preciosidades, mas
quase nunca traduzo. Como foi uma conversa muito interessante e estou tentando
pegar firme e publicar mais esse tipo de coisa, segue aqui a tradução da primeira parte.
Entrevista com a mangaká Saito Chiho
Personagens lindos que se
assemelham ao Takarakuza e tramas históricas dramáticas escritas em escala
grandiosa. Europa medieval, Rússia do período moderno, Era Heian... Entrevistamos
uma mestra em obras históricas longas que desenha esses vários períodos e
países com sua habilidade para desenhos irresistível. Por que esse entusiasmo
com obras históricas e o que ela pensa neste momento em que sua carreira como
desenhista atinge os 35 anos?
Parte 1
-
No Ensino Fundamental, brincava com minha amiga fingindo produzir uma revista
de mangás –
- Quando era criança, que tipo de
desenho você fazia?
Saito:
Na época do jardim de infância, o que desenhava principalmente eram muitos
robôs, como Tetsujin 28-go. Creio que
naquela época eu me divertia mais desenhando linhas fortes do que traços fofos
de seres vivos. Como minha irmã mais velha também era boa com desenhos, ao
entrar no ensino fundamental, ela, eu e mais uma amiga criamos uma revista de
mangá e brincávamos com isso. Cada uma desenhava a história que quisesse e nós
juntávamos tudo com um grampeador. Escrevíamos inclusive chamadas para instigar
a compra como “Uma nova serialização após a outra!” (risos) e colocávamos
propagandas feitas à mão na contracapa.
- Que tipo de mangá você serializava
nessa época?
Saito:
Eu escrevi um mangá de vôlei porque recebi influência de obras que estavam no
pico de popularidade, as quais mostram pessoas com espírito combatente, como Attack N. 1 e Sign wa V!. Algo como “Vamos juntas para as Olimpíadas de Teerã!”.
Pensando agora, é um mistério o porquê era em Teerã (risos).
- Até quando vocês continuaram
fazendo essa antologia?
Saito:
No período do ensino fundamental 1, nós continuamos; porém, após entrar no
ensino fundamental 2, o grupo separou-se. Eu mesma, depois disso, também fiquei
um tempo afastada dos mangás.
- E que tipo de coisa você fez nessa
época?
Saito:
Assim que entrei na escola, virei membro do clube de tênis; porém, como havia
muitas pessoas lá, não me deixavam acertar a bola, então eu me irritei e saí
(risos). Depois disso entrei num grupo de pesquisa de mangá, mas no geral nós
não líamos nada e só ficávamos vendo filmes e escutando músicas. Entretanto,
uma vez uma amiga disse-me “Chiho-chan, você é boa com desenhos, não é? Desenhe
isto” e me passou A Rosa de Versalhes.
Ela ficou muito feliz quando eu entreguei uma cópia exata. Essa história
espalhou-se e várias pessoas passaram a vir pedir para eu desenhar mangás para
elas. Minha rotina diária dessa época era fazer cópias exatas de mangás como Sora ga Suki! da Takemiya Keiko e Poe no Ichizoku da Hagio Moto. Eu me
sentia bem porque todos elogiavam minhas habilidades com desenhos (risos) e,
antes que eu percebesse, passei a pensar que iria me tornar mangaká.
- E então você passou a desenhar
mangás novamente.
Saito:
Isso. No ensino médio, eu entrei em um grupo de pesquisa de mangá e nós também
conseguimos, durante as férias de verão, permissão para todos os membros do
grupo fazerem uma excursão escolar no departamento editorial da Betsu Comi. Só
que, como eu fui lá com uma mentalidade Maria-vai-com-as-outras de querer ver
os manuscritos da Takemiya e da Hagio, minhas próprias obras pareceriam estar
sobrando nesse ambiente. Acho que foi por volta dos meus 20 anos que eu comecei
a submeter genuinamente meus manuscritos e ganhei um editor.
- Qual foi a sequência de eventos
disso até sua estréia?
Saito:
Quando me mudei da Betsucomi para a Shoujo Comic (atualmente: Sho-Comi),
seguindo meu editor que fora transferido, disseram-me que poderia desenhar o
que quisesse e, como Os Três Mosqueteiros estavam na moda, desenhei Ken to Mademoiselle e essa virou minha
obra de estréia. Ainda por cima, falaram-me que havia garantido um bloco de
serialização de 4 semanas na revista, começando a partir do próximo número. Sem
nem mesmo entender por quê, de repente fiquei ocupada.
- Conseguiu de uma sentada só a sua
serialização de estréia, né? Foi bem tranquilo para você, não?
Saito:
Porém essa serialização foi um grande fracasso (risos). Até aquele momento, eu
só havia desenhado obras ocidentais, mas, na Shoujo Comic daquela época, os
trabalhos que saíam eram principalmente sobre temas escolares que tinham por
cenário o Japão atual e não se podia evitar isso. Eu me desafiei e tentei fazer
algo diferente, mas como era de se esperar a popularidade do trabalho não
veio... Nessa época fiquei bem para baixo.
-
Eu, fundamentalmente, gosto de pessoas que fazem coisas ruins (risos) -
- Essa obra foi Tonderu Mitai, né? Ela não recebeu nem mesmo encadernação?
Saito:
Não recebeu. Ou melhor, eu não quero que encadernem (risos). Sou muito grata
porque mesmo depois disso me permitiram desenhar com constância mangás
one-shot, mas até o fim eu não me acostumei com obras escolares e deixei esse
tema parado por anos.
- De fato, parece-me que nesse
período você desenhou um número enorme de mangás curtos.
Saito:
Foi difícil porque eu tinha de quase que toda semana criar os personagens,
cenários e enredo das histórias do zero. Em meio a isso, senti que finalmente
havia tido um pouco de reação do público quando desenhei a obra Wedding to Yuu sobre duas pessoas
apaixonadas recém-casadas. Havia o fato de eu já ser casada e meu editor
recomendou que tentasse desenhar. Na minha cabeça eu fiquei reclamando que a
vida de recém-casados não era tão doce assim, porém, talvez por histórias desse
tipo serem raras, o mangá teve um pouquinho de sucesso. Quanto a obras
românticas, mesmo que goste de vê-las, por exemplo, em filmes, hesitava em
desenhá-las porque tinha muita vergonha, mas acabei me convencendo afirmando
para mim mesma que não havia outra escolha (risos). Depois que me decidi a
lutar nesse caminho embaraçoso, passei a desenhar assertivamente esses amores
românticos.
- Você teve uma dificuldade dessas,
né? Qual foi a obra que mudou sua opinião e fez você achar que conseguiria continuar
devido à boa reação do público?
Saito:
Acho que foi na época de Waltz wa Shiroi
Dress de e Mou Hitori no Marionette.
Especialmente Mou Hitori no Marionette
foi uma mangá memorável, sendo que, como meu editor era alguém que conseguia
por si mesmo escrever roteiros, nós ficávamos os dois através de tentativa e
erro criando histórias que de alguma forma atraíssem as pessoas. Como
surpreender as leitoras era nossa prioridade máxima, nós repetíamos um padrão
de jogar nas obras um cenário absurdo e pensar na continuação na semana
seguinte (risos).
- Então o Jin Masayuki ter dupla
personalidade também...?
Saito:
Foi algo decidido depois. Eu estava sempre quebrando a cabeça sobre como encaixar
as partes da história enquanto adicionava cenários novos. Foi uma obra que me fez
usar ao máximo minhas habilidades, mas, estranhamente, tenho a sensação que as
peças juntaram-se com barulho e colocaram-se nos lugares apropriados, então as
coisas deram certo (risos).
- Quanto à outra, Waltz wa Shiroi Dress de, ela foi sua
primeira obra histórica, não é?
Saito:
Isso. Como o palco principal é o Japão da década de 30, é uma obra histórica um
pouco diferente da Europa medieval que eu sempre quis desenhar. Criei Waltz porque queria desenhar os
militares daquela época.
- Isso quer dizer que a obra
histórica que você realmente desejava fazer era Kakan no Madonna, cuja premissa tem por cenário o Ocidente da Idade
Média e Idade Moderna?
Saito:
Essa história me fez sentir que havia realizado meu verdadeiro desejo. Eu gosto
demais de cavalos e capas, então pedi que eles me deixassem desenhar de alguma
forma homens de capa montados em cavalos (risos). Como eu fora muitas vezes à
Itália para fazer turismo relacionado às obras de arte, os cenários também
foram fáceis de desenhar.
- Por que você pensou em desenhar
Cesare, um personagem histórico?
Saito:
Porque eu gostava do livro escrito por Shiono Nanami sobre ele (Cesar Borgia
Aruiwa Yûganaru Reikoku). Eu, fundamentalmente, gosto de pessoas que fazem
coisas ruins (risos). Além disso, gosto de pessoas que não são apenas vilões,
mas têm um ar de carisma malvado e que, caso necessário, não medem os meios dos
quais dispõem para atingir seus objetivos.
- Você sempre foi do tipo que aprecia
homens ruins? (Risos)
Saito:
É por aí. Desde o jardim de infância, eu via os Taiga Dorama e gostava muito de desenvolvimentos do tipo em que um
garoto é maltratado pelos irmãos e pais, mas usa isso como encorajamento para
crescer e contra-atacar! No Teatro Takarazuka também, eu gostava mais dos
papéis masculinos, pois eram fortes e robustos, e certamente isso está na
origem da minha fascinação por esse estilo de homem.
-
A partir de Shoujo Kakumei Utena, eu
tornei os meus desenhos mais sexys e sensuais –
- Isso deve estar relacionado ao fato
de você desenhar personagens masculinos tão charmosos. Após esse, nós agora
trataremos de Shoujo Kakumei Utena,
que também é famoso como animê.
Saito:
Originalmente, o plano era criar uma obra voltada para meninas que
transformasse o mundo dos meus mangás em animê, mas, enquanto criávamos, ela
foi ficando cada vez mais densa e no fim transformou-se em algo bem diferente do
meu estilo (risos). Por isso digo que até é meu filho, mas é uma existência
mais parecida com a de um enteado.
- Qual foi a sensação durante o
período de produção?
Saito:
Foi muito divertido. Enquanto membro da equipe, eu estava em um espírito de
disposição para desenhar qualquer coisa, além do que dormimos juntos para costurar
o roteiro e essa criação em grupo era um estilo novo para mim. Acima de tudo,
como o diretor Ikuhara Kunihiko assumiu toda a responsabilidade pela obra, de
qualquer forma eu fiquei despreocupada (risos).
- Houve alguma influência positiva da
equipe de animação?
Saito:
Houve muitas, mas fiquei especialmente surpresa com o quanto demorava para
fazer o design dos personagens. Seios, nádegas, pernas... a fixação com partes
das mulheres era tremenda (risos). No começo eu resisti à ideia de colocar
tanta ênfase nos seios, mas aos poucos passei a tomar consciência do ponto de
vista masculino. As figuras de shoujo mangá que eu havia acumulado até então
foram um pouco quebradas. Acho que, após Shoujo
Kakumei Utena, eu tornei os desenhos das minhas heroínas um pouco mais
sexys e sensuais.
- Que tipo de reação você teve em
relação à obra pronta?
Saito: Surpreendi-me porque, mesmo usando minhas ideias, personagens e minha visão de mundo, só pela forma de fazer a comida ser outra, a obra acabou tornando-se tão diferente assim. Ao mesmo tempo, a começar pelo diretor Ikuhara, toda a equipe fez uma análise completa de meu trabalho e tenho a impressão que eles me ensinaram características e peculiaridades que nem eu mesma havia percebido. Porque não há ninguém além do meu editor com quem eu converse tão profundamente assim sobre a minha obra.
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