Segue a segunda, e última, parte da
entrevista. A original pode ser lida neste link. Lembrem que ela foi feita em
2017, antes da Saito Chiho começar Kaguya
Den. E quero alertá-los que não sei a razão pela qual elas chamam
literatura de obras históricas. Talvez seja por mostrarem costumes do
passado...
Entrevista
com a mangaká Chiho Saito
Parte
2
-
O ponto de virada para escapar de sua crise foi uma biografia de Pushkin? –
- E então nós entramos finalmente nos
anos 2000. Que tópico se tornou uma memória mais profunda para você?
Saito:
Quanto a isso... Na verdade, nesse momento eu entrei em um período de crise
bastante longo. Estava extremamente ocupada com minha serialização e a
transmissão do animê e, além disso, havia ganhado o Shogakukan Manga Award por Kanon,
então muitas coisas tinham alcançado o pico e isso me causou burn out. Mesmo sem encontrar assuntos
que quisesse desenhar, eu continuava com as serializações, mas, para ser sincera,
não conseguia me envolver e, não importa o que fizesse, o resultado não ficava
interessante. Por isso, e até para me renovar completamente, mudei da Petit
Comic para a Gekkan Flowers (na época: Petit Flower).
- Então foi essa a razão da sua
transferência. Mudando a revista em que publicava, você conseguiu escapar da sua
crise?
Saito:
Enquanto desenhava Anastasia Club, minha primeira serialização nessa revista, meu
editor me passou uma biografia de Pushkin dizendo-me que ele era uma pessoa interessante
e, quando experimentei ler, percebi que era verdade. Ele tentou me incentivar dizendo que o Pushkin
duelava (risos).
- Isso está relacionado com sua
próxima obra, Bronze no Tenshi, não
é?
Saito:
Isso. Tendo feito balé quando era criança, a Rússia era um país de que gostava
muito e eu li muitos livros de literatura russa como Guerra e Paz. Então eu
parei Anastasia Club temporariamente
e comecei Bronze no Tenshi. Com esse
mangá eu consegui me envolver bastante e senti que escapei da minha crise.
- Por que você conseguiu se envolver?
Saito:
Primeiro porque a vida de Pushkin era extremamente interessante. Além disso, os
homens e mulheres de minhas obras no geral apaixonam-se assim que se conhecem,
mas a heroína desta obra, Natália, não gostava muito de seu marido Pushkin e
seu primeiro amor foi Dantes, que aparece depois de seu casamento, sendo esse
um padrão que nunca havia desenhado, então isso também trazia um frescor.
- Natália é uma personagem reservada
e quieta, um tipo de heroína raro nas suas obras, não é?
Saito:
As pessoas frequentemente me dizem que as protagonistas desenhadas por mim são
sempre arrojadas (risos), mas a Natália é uma heroína única, da qual falam mal:
“Ela é bonita, mas idiota”.
- Foi importante você conseguir
desenhar uma história e personagens que não tinha feito até então?
Saito:
Acho que se um mangaká enjoa de si mesmo, é o fim para ele. Porém, se você
desenhar por um longo tempo, certamente haverá um período em que você enjoará de
algum ponto do seu estilo. Algo como “por que meus mangás sempre têm esse tipo
de desenvolvimento?”. Mas acho que, nesse momento, se você continuar sem
desistir, conseguirá encontrar novamente um novo-eu e fará novas descobertas.
Sou grata à editora por eles terem me dado um lugar para desenhar sem parar.
-
Com Torikae Baya, eu quis transmitir
a maravilha de uma tradição imutável –
- Após Bronze no Tenshi, você desenhou com bastante animação, não é?
Saito:
É mesmo. Nessa época, passei a considerar um pouco mais minha idade e condições
físicas e, já que não dava mais para desenhar com uma fonte inesgotável de energia,
passei a fazer mangás para não deixar nenhum remorso, mesmo que minha próxima
obra fosse a última. A minha criação seguinte, Ice
Forest, tinha por tema a patinação artística, algo que eu amo há muito
tempo, porém há muitas obras-primas sobre esse tema, então eu hesitava em
tratar sobre ele. Mas eu achei que se não deixasse desenhado naquele momento,
não conseguiria fazê-lo nunca mais. Shishaku
Valmont ~ Kikenna Kankei ~ também, a verdade é que eu queria que alguém
transformasse o livro em mangá, mas como parecia que ninguém o faria, decidi desenhar
eu mesma (risos).
- Continuando, nós abordaremos agora
sua serialização atual, Torikae Baya.
Por que você pensou em desenhar uma obra histórica japonesa?
Saito: A deixa foi o Grande Terremoto
do Leste do Japão. Na época, eu pensei que Tóquio também fosse perigosa, por
isso aluguei um apartamento em Kyoto e comecei a passar um tempo lá de vez em
quando. Então, ao experimentar explorar cuidadosamente a cidade, percebi que
havia História aonde quer que fosse e pela primeira vez tive consciência clara de
eu mesma ser japonesa. Ao mesmo tempo, embora eu desenhasse bastante a História
e a cultura ocidentais, senti fortemente como, no geral, eu não sei nada sobre
o Japão. Além do mais, diferente do estrangeiro, senti verdadeiramente como
muito dos costumes e da cultura do Japão têm continuado ininterruptamente desde
os tempos dos mitos e minha vontade de desenhar coisas do Japão aumentou.
Pensei que seria bom se eu consegui transmitir ao menos um pouco com mangá a
maravilha de uma tradição imutável que me emocionou.
- Torikae
Baya é uma obra cujo palco nasceu precisamente na cidade de Kyoto, não é?
Saito:
Isso. Mesmo agora eu ainda faço o roteiro e o esboço (dos capítulos) às margens
do rio Kamogawa.
- Que elegante (risos). Houve alguma
razão para você escolher o período Heian como palco?
Saito: Foi o período em que muito da cultura tradicional japonesa estabeleceu-se, as roupas são elegantes e, acima de tudo, o penteado das mulheres não é fofinho?
- Como esperado, o aspecto visual é
importante, né?
Saito:
Há muitos casos em que me decido por algo pelo visual. VS Lupin, que estou publicando concomitantemente, também foi
escolhida assim, pois eu gosto da moda do período, especialmente de chapéus
cartolas e de capas.
- Fiquei um pouco surpresa por você
usar Lupin como tema.
Saito:
Desde que vi o filme Arsène Lupin – O Ladrão Mais Charmoso do Mundo, feito para
comemorar os 100 anos do nascimento do personagem, pensei que talvez ele também
fosse bom como material. Como nessa época meu editor, coincidentemente, sugeriu-me
que fizesse novamente algo sobre a França, pensei “já que é assim...”. Eu até
que utilizei a obra original como base, mas a reestruturei para virar shoujo
mangá, refazendo-a para colocar ênfase no fator romance.
- Entendi. Torikae Baya também está no clímax, mas e a próxima obra, você já
pensou em uma concepção para ela?
Saito:
Ainda não pensei em nada. Toda vez me pedem uma amostra do meu próximo trabalho
assim que termino uma serialização, mas sempre entro em dificuldades por nunca
ter nada em estoque (risos). Eu só posso dizer que tenho vontade de desenhar
mais um pouco obras que têm por palco o Japão antigo.
-
O entusiasmo com obras históricas vem da expressão do desejo de mudança que as
mulheres têm –
- É uma pergunta meio boba, mas de
onde vem o seu entusiasmo em relação a obras históricas?
Saito:
Acho que talvez venha do meu forte interesse por padrões. Por qual tipo de processo
uma cultura e um padrão nascem? Como fico com vontade de saber o drama por trás
das cortinas, adapto meus próprios personagens dentro do padrão de várias
épocas e países e adoro ficar viajando ao pensar como eles viveriam.
- Você própria tem uma experiência
simulada através de seus personagens, né?
Saito:
Isso. Se forem mulheres, talvez seja a expressão do desejo de mudança que todas têm. Uma certa
época qualquer de um país estrangeiro é algo fora no comum, é como as
apresentações de balé de minha mocidade em que eu subia em um palco todo
iluminado. Eu própria já não consigo ir para um mundo fora do comum, mas
consigo fazer meus personagens irem.
- Aguardarei ansiosamente sua próxima
obra também. Falando nisso, a próxima não será a última, né?
Saito:
Ahaha. Já faz mais de 10 anos que eu fico empolgada com a possibilidade de
minha próxima obra ser a última. Como fisicamente eu ainda não tenho nenhum
problema, acho que consigo continuar desenhando nesse ritmo por um tempo. Mas
preciso dizer que já aconteceu uma vez de um dia minha mão parar completamente
de se mexer.
- Hã? Isso é assustador, não é?
Saito:
Recuperei-me logo, mas o que me surpreendeu mais do que isso foi o fato de não
ter ficado triste por dentro. Pensei que havia conseguido me esforçar bastante
até aquele momento e entendi também que, independente de quando parasse de desenhar,
eu não teria arrependimentos. É exatamente por isso que agora, neste instante, sinto
que não tenho escolha a não ser fazer aquilo que consigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário