sábado, 9 de dezembro de 2023

ENTREVISTA: CHIHO SAITO (PARTE 2)

Segue a segunda, e última, parte da entrevista. A original pode ser lida neste link. Lembrem que ela foi feita em 2017, antes da Chiho Saito começar Kaguya Den. E quero alertá-los que não sei a razão pela qual elas chamam literatura de obras históricas. Talvez seja por mostrarem costumes do passado...

 

Entrevista com a mangaká Chiho Saito

 

Parte 2

 

- O ponto de virada para escapar de sua crise foi uma biografia de Pushkin? –

 

- E então nós entramos finalmente nos anos 2000. Que tópico se tornou uma memória mais profunda para você?

Saito: Quanto a isso... Na verdade, nesse momento eu entrei em um período de crise bastante longo. Estava extremamente ocupada com minha serialização e a transmissão do animê e, além disso, havia ganhado o Shogakukan Manga Award por Kanon, então muitas coisas tinham alcançado o pico e isso me causou burn out. Mesmo sem encontrar assuntos que quisesse desenhar, eu continuava com as serializações, mas, para ser sincera, não conseguia me envolver e, não importa o que fizesse, o resultado não ficava interessante. Por isso, e até para me renovar completamente, mudei da Petit Comic para a Gekkan Flowers (na época: Petit Flower).

 

- Então foi essa a razão da sua transferência. Mudando a revista em que publicava, você conseguiu escapar da sua crise?

Saito: Enquanto desenhava Anastasia Club, minha primeira serialização nessa revista, meu editor me passou uma biografia de Pushkin dizendo-me que ele era uma pessoa interessante e, quando experimentei ler, percebi que era verdade. Ele tentou me incentivar dizendo que o Pushkin duelava (risos).

 

- Isso está relacionado com sua próxima obra, Bronze no Tenshi, não é?

Saito: Isso. Tendo feito balé quando era criança, a Rússia era um país de que gostava muito e eu li muitos livros de literatura russa como Guerra e Paz. Então eu parei Anastasia Club temporariamente e comecei Bronze no Tenshi. Com esse mangá eu consegui me envolver bastante e senti que escapei da minha crise.

 

- Por que você conseguiu se envolver?

Saito: Primeiro porque a vida de Pushkin era extremamente interessante. Além disso, os homens e mulheres de minhas obras no geral apaixonam-se assim que se conhecem, mas a heroína desta obra, Natália, não gostava muito de seu marido Pushkin e seu primeiro amor foi Dantes, que aparece depois de seu casamento, sendo esse um padrão que nunca havia desenhado, então isso também trazia um frescor.

 

- Natália é uma personagem reservada e quieta, um tipo de heroína raro nas suas obras, não é?

Saito: As pessoas frequentemente me dizem que as protagonistas desenhadas por mim são sempre arrojadas (risos), mas a Natália é uma heroína única, da qual falam mal: “Ela é bonita, mas idiota”.

 

- Foi importante você conseguir desenhar uma história e personagens que não tinha feito até então?

Saito: Acho que se um mangaká enjoa de si mesmo, é o fim para ele. Porém, se você desenhar por um longo tempo, certamente haverá um período em que você enjoará de algum ponto do seu estilo. Algo como “por que meus mangás sempre têm esse tipo de desenvolvimento?”. Mas acho que, nesse momento, se você continuar sem desistir, conseguirá encontrar novamente um novo-eu e fará novas descobertas. Sou grata à editora por eles terem me dado um lugar para desenhar sem parar.

 

- Com Torikae Baya, eu quis transmitir a maravilha de uma tradição imutável –

 

- Após Bronze no Tenshi, você desenhou com bastante animação, não é?

Saito: É mesmo. Nessa época, passei a considerar um pouco mais minha idade e condições físicas e, já que não dava mais para desenhar com uma fonte inesgotável de energia, passei a fazer mangás para não deixar nenhum remorso, mesmo que minha próxima obra fosse a última. A minha criação seguinte, Ice Forest, tinha por tema a patinação artística, algo que eu amo há muito tempo, porém há muitas obras-primas sobre esse tema, então eu hesitava em tratar sobre ele. Mas eu achei que se não deixasse desenhado naquele momento, não conseguiria fazê-lo nunca mais. Shishaku Valmont ~ Kikenna Kankei ~ também, a verdade é que eu queria que alguém transformasse o livro em mangá, mas como parecia que ninguém o faria, decidi desenhar eu mesma (risos).

 

- Continuando, nós abordaremos agora sua serialização atual, Torikae Baya. Por que você pensou em desenhar uma obra histórica japonesa?

Saito: A deixa foi o Grande Terremoto do Leste do Japão. Na época, eu pensei que Tóquio também fosse perigosa, por isso aluguei um apartamento em Kyoto e comecei a passar um tempo lá de vez em quando. Então, ao experimentar explorar cuidadosamente a cidade, percebi que havia História aonde quer que fosse e pela primeira vez tive consciência clara de eu mesma ser japonesa. Ao mesmo tempo, embora eu desenhasse bastante a História e a cultura ocidentais, senti fortemente como, no geral, eu não sei nada sobre o Japão. Além do mais, diferente do estrangeiro, senti verdadeiramente como muito dos costumes e da cultura do Japão têm continuado ininterruptamente desde os tempos dos mitos e minha vontade de desenhar coisas do Japão aumentou. Pensei que seria bom se eu consegui transmitir ao menos um pouco com mangá a maravilha de uma tradição imutável que me emocionou.

 

- Torikae Baya é uma obra cujo palco nasceu precisamente na cidade de Kyoto, não é?

Saito: Isso. Mesmo agora eu ainda faço o roteiro e o esboço (dos capítulos) às margens do rio Kamogawa.

 

- Que elegante (risos). Houve alguma razão para você escolher o período Heian como palco?

Saito: Foi o período em que muito da cultura tradicional japonesa estabeleceu-se, as roupas são elegantes e, acima de tudo, o penteado das mulheres não é fofinho? 

- Como esperado, o aspecto visual é importante, né?

Saito: Há muitos casos em que me decido por algo pelo visual. VS Lupin, que estou publicando concomitantemente, também foi escolhida assim, pois eu gosto da moda do período, especialmente de chapéus cartolas e de capas.

 

- Fiquei um pouco surpresa por você usar Lupin como tema.

Saito: Desde que vi o filme Arsène Lupin – O Ladrão Mais Charmoso do Mundo, feito para comemorar os 100 anos do nascimento do personagem, pensei que talvez ele também fosse bom como material. Como nessa época meu editor, coincidentemente, sugeriu-me que fizesse novamente algo sobre a França, pensei “já que é assim...”. Eu até que utilizei a obra original como base, mas a reestruturei para virar shoujo mangá, refazendo-a para colocar ênfase no fator romance.

 

- Entendi. Torikae Baya também está no clímax, mas e a próxima obra, você já pensou em uma concepção para ela?

Saito: Ainda não pensei em nada. Toda vez me pedem uma amostra do meu próximo trabalho assim que termino uma serialização, mas sempre entro em dificuldades por nunca ter nada em estoque (risos). Eu só posso dizer que tenho vontade de desenhar mais um pouco obras que têm por palco o Japão antigo.

 

- O entusiasmo com obras históricas vem da expressão do desejo de mudança que as mulheres têm –

 

- É uma pergunta meio boba, mas de onde vem o seu entusiasmo em relação a obras históricas?

Saito: Acho que talvez venha do meu forte interesse por padrões. Por qual tipo de processo uma cultura e um padrão nascem? Como fico com vontade de saber o drama por trás das cortinas, adapto meus próprios personagens dentro do padrão de várias épocas e países e adoro ficar viajando ao pensar como eles viveriam.

 

- Você própria tem uma experiência simulada através de seus personagens, né?

Saito: Isso. Se forem mulheres, talvez seja a expressão do desejo de mudança que todas têm. Uma certa época qualquer de um país estrangeiro é algo fora no comum, é como as apresentações de balé de minha mocidade em que eu subia em um palco todo iluminado. Eu própria já não consigo ir para um mundo fora do comum, mas consigo fazer meus personagens irem.

 

- Aguardarei ansiosamente sua próxima obra também. Falando nisso, a próxima não será a última, né?

Saito: Ahaha. Já faz mais de 10 anos que eu fico empolgada com a possibilidade de minha próxima obra ser a última. Como fisicamente eu ainda não tenho nenhum problema, acho que consigo continuar desenhando nesse ritmo por um tempo. Mas preciso dizer que já aconteceu uma vez de um dia minha mão parar completamente de se mexer.

 

- Hã? Isso é assustador, não é?

Saito: Recuperei-me logo, mas o que me surpreendeu mais do que isso foi o fato de não ter ficado triste por dentro. Pensei que havia conseguido me esforçar bastante até aquele momento e entendi também que, independente de quando parasse de desenhar, eu não teria arrependimentos. É exatamente por isso que agora, neste instante, sinto que não tenho escolha a não ser fazer aquilo que consigo.

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