Mais uma tradução, dessa vez de um artigo feito no final de maio pelo escritor e jornalista filipino Danton Remoto para o jornal The Philippine Star (original aqui).
Sobre as séries Boys’ Love da Tailândia
Há duas semanas, o editor e escritor Jun Matias pediu ao escritor Juan Miguel Severo e a mim para nos juntarmos ao seu debate “Lock and Roll” (1) no Facebook sobre Boys’ Love, ou séries BL. Produzidas na Tailândia, as séries televisivas BL tomaram o Sudeste Asiático de assalto, especialmente na época do COVID-19.
As séries televisivas Boys’ Love lidam com histórias de garotos que se apaixonam por outros garotos. Mas na Tailândia elas são radicais por se afastarem do kathoey, ou o estereótipo do homem gay afeminado e que trabalha nos salões de beleza ou na indústria de entretenimento. Esses garotos são viris e belos, eles jogam futebol e costumavam namorar garotas, eles moram em belas casas e vestem roupas estilosas. Esses programas são quase como uma típica série de televisão sobre amor e perdas, exceto que, aqui, os garotos apaixonam-se por outros garotos.
Hendri Go, meu informante e incansável organizador do Festival Literário de Cebu (Liftest), disse que a cultura yaoi japonesa influenciou o BL tailandês. Os yaoi são mangás japoneses que lidam com o amor gay físico. As fãs de yaoi são chamadas fujoshi e são em sua maioria mulheres jovens. Por outro lado, temos os shounen-ai, ou mangás gays que lidam com um amor gay que é emocional e romântico.
Em ambas as variedades, a música une os garotos, o cenário é geralmente uma escola, a cidade é outro personagem no desdobramento da trama. As redes sociais guiam a vida dos personagens: o mundo de curtidas e compartilhamentos afetam-nos diariamente.
Isso é visto muito claramente na série 2Gether, dirigida por Weerachit Thongjila, que foi exibida de fevereiro a maio de 2020. A série é sobre Wat (Vachirawit Chivaaree, apelidado Bright), um jogador de futebol e músico, que conhece Tine (Metawin Opas-iamkajorn, apelidado Win), um aspirante a músico. Wat é taciturno e melancólico, enquanto Tine é radiante e alegre. O elenco captura perfeitamente as diferenças nas características dos personagens. Há charme e química entre os dois rapazes, que às vezes usam camisetas similares, ou simplesmente olham profundamente nos olhos um do outro, ou sentem pontadas de ciúme da mesma forma que casais sentem.
Exibida quase quando os países do Sudeste Asiático estavam começando a quarentena devido à pandemia, a série acumulou mais de dez milhões de visualizações por episódio no Youtube. Os comentários no Twitter explodiram e sites de fãs alastraram-se pelo Facebook e Youtube. A GMMTV da Tailândia sabiamente subiu a série na Internet, com legendas em inglês, quase ao mesmo tempo em que ela foi exibida na televisão tailandesa. O efeito foi eletrizante: as linhas para conversas que eram abertas assim que a série era lançada zumbiam com as reações do público. E adivinhem qual país teve as reações mais apaixonadas, mais emocionais? O país latino-asiático chamado Filipinas.
Por que essa série manteve uma região inteira na palma de sua mão? 2Gether e outras séries BL mostraram o que muitos homens gays não tiveram quando estavam amadurecendo na universidade: grupos de amigos, tanto heterossexuais quanto gays, que os apoiassem abertamente. Isso, e um ambiente em que atos homossexuais não fossem vistos como bizarros ou, no caso das Filipinas católicas, como pecado. A série mostrou que a homossexualidade é tão normal quanto respirar, que famílias podem ser acolhedoras e amorosas, e que a vida vale a pena ser vivida mesmo se alguém ousa ser diferente. E que um personagem gay não precisa morrer em uma série televisiva ou sofrer uma tragédia.
O escritor Miguel Poblador disse: “O mero fato de serem dois garotos vivendo momentos tão simples – embora doces – acordou em mim algo que eu tinha posto para dormir há muitos anos. Eu fui compelido a assistir porque eles estavam mostrando momentos com os quais eu fantasiava, mas me foram negados quando estava no colegial e na faculdade. Esses gestos exagerados de romantismo, como receber uma serenata ou ganhar pequenos presentes sem motivo algum, são coisas que meus amigos heterossexuais fizeram quando eram mais jovens, coisas que neguei a mim mesmo por medo. Eu estava vivendo indiretamente o passado que nunca tive. Eu estava compensando o tempo que nunca me foi dado. Eu não teria nem mesmo ousado assistir a algo assim quando estava no colegial, quanto mais tentar vivenciar na vida real. E agora estou vendo com dezenas de milhares de outras pessoas, como se fosse algo normal. Porque é algo normal. Pelo menos mais agora do que era quando eu estava crescendo.
“O sucesso desse show e o quão apaixonadamente ele é celebrado na mídia são um testemunho de quão longe nós chegamos em termos de aceitação. O meu coração canta por saber que nós podemos ter essas histórias na mídia dominante. Essas que são piegas e insensatamente felizes e perfeitas, que não terminam com corações partidos ou morte como é frequentemente o caso. Elas lembraram-me que é permitido a nós termos coisas boas também, a despeito do que nos foi dito enquanto crescíamos. É permitido a nós ter alegrias simples e diversões baratas, como a todo mundo.”
O escritor Don Kevil Hapal concorda: “Conforta-me pensar que programas assim vão ao menos ajudar a comunidade a conseguir fazer com que pessoas não LGBT consumam e apreciem a mídia queer, o que ainda é um passo em direção à inclusão. Ambos os atores protagonistas parecem entender a causa LGBT. Em sua entrevista recente à ABS-CBN, eles foram até mesmo claros ao dizer que o amor não tem gênero, e isso não é algo que você ouve homens heterossexuais dizerem na televisão todo dia.”
“Que um programa com dois protagonistas homens tenha ganho tanta popularidade – não, até mesmo o simples fato de que programas assim estejam agora sendo assistidos na televisão – também me dá alguma esperança para o futuro. Vivendo nas Filipinas, há dias em que eu apenas choro frustrado com o quão injusto o sistema pode ser para a comunidade gay. O Estado não apenas falha ao não reconhecer nosso direito de estar com quem amamos, ele também nos nega proteção contra discriminação.”
Bem-dito
e eu concordo de todo coração. E agora que 2Gether
encerrou, eu assisti às outras séries BL: Together With Me, Love by Chance e
Dark Blue Kiss. É um universo fantástico e paralelo, sim, e funciona
maravilhosamente para o nosso bem-estar mental também.
1. Trocadilho com expressão “Rock and Roll” relacionando-a ao confinamento – lockdown em inglês.
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